2002 - parte III
Março 01, 2002
Sonetos (Imper)feitos a Duas Vozes
I.
Enclausurado na escura câmara da saudade,
um coração desesperado grita por liberdade:
– Libertem-me grades cruéis! Não quero mais chorar
por este sentimento a que os tolos chamam amar!
– Para que gritas, coração saudoso,
se à tua voz trémula já ninguém liga?
Porque choras, coração medroso,
se por amor tens quem te siga?
– Grito porque por amor abandonei quem me ama
e choro por amar outro coração também choroso,
que não chora pela saudade da minha cama.
– Oh coração cativo desse ilusório encantamento,
tu amas as grades e não a liberdade que cantas
e é por isso que choras nesse amargo sentimento!
II.
– Oh mente pensante, tens a lógica e a razão do teu lado,
mas só eu sei o que é andar e voar sobre o solo sagrado
onde florescem a saudade, a tristeza, a alegria e o amor.
Não queiras tu ensinar-me onde nasce a minha dor!
– Não posso senão sorrir ao escutar palavras-sentidas.
Coração onde não mando, ouve-me tu por uma vez:
Palavras de amor eterno, são apenas palavras perdidas,
como pensas poder amar uns olhos que não vês?
– Chega-me a sublime recordação daquele olhar,
daquele brilho intenso que nos unia num abraço,
que por tão belo, parava o tempo e anulava o espaço.
Mente distante, chega-me a nobreza da saudade
para saber que são dor as lágrimas que condenas.
– É água desesperada que corre, não é amor de verdade.
III.
– Pobre coração doente, o amor vem e vai como um rio,
não ergas um dique de saudades no leito dessas águas,
permite que esse amor perdido seja apenas gelo frio
e em breve poderás libertar-te de tão miseráveis mágoas.
Sentir deste corpo, que comando e oriento pela razão,
faço os olhos tristes chorar e os lábios alegres sorrir,
dou-te a voz intensa para que todos te possam ouvir
e deixo que comandes a vida quando vejo que é paixão.
Mas as pérolas nuas que te beijavam o peito
afastaste-as tu com esse vulgo amor perfeito,
que queres agora fazer com esse outro coração desfeito?
Nessa ânsia de descobrires a tua eternidade
acabaste por te afogar na tua própria bondade,
diz-me coração demente, qual é agora a tua vontade?
IV.
1. Recordação e Sonho
Mais do que uma flor,
és a que num divino momento
transformou um árido terreno
num jardim recheado de amor.
Distante, continuas a ser a Flor
que mais o ilumina.
A paz no branco das tuas pétalas,
o brilho nos reflexos
das pequenas gotas de água
que repousam nas tuas folhas
e a fragrância
do perfume que distribuis,
continuam a preencher
de prazeres sublimes,
de sonhos e de nobres sentimentos
cada recanto deste jardim.
Sempre que o contemplo
é a tua cor, a tua luz
e o teu perfume que sinto.
Hoje,
destroiem-me as saudades
de tocar essa Flor,
de segredar-lhe
palavras de amor,
de sorrir ao seu sorriso
e de chorar com as suas lágrimas,
de alimentá-la e de saciar a sua sede.
Destroiem-me as saudades
de ser Parte da Flor.
Que louco fui quando pensei
que seria possível viver com a recordação
do Amor sublime dentro de mim,
desistindo dele na forma do teu corpo,
do teu sorriso e da tua presença.
Quero voltar a saciar a minha sede de amor
nos teus lábios e nas tuas lágrimas.
As minhas mãos tremem de fraqueza,
ansiosas por voltar a sentir
as delicadas pétalas de lírios que,
substituindo a pele salgada,
cobrem todo o teu corpo.
Quero voltar a alimentar o meu desejo
na chama de ternura que descobri
nos teus olhos e no teu beijo.
O meu corpo arrepia-se de sonhos,
ansioso por voltar a consumir-se
no fogo, que atravessando os teus olhos,
penetrava os meus.
Quero-te de novo meu Amor,
quero-te minha Flor.
2.
Sou só aquele que querem
por tudo o que não quero ser querido,
nada sou que queira alguém ser,
embora muitos queiram que eu seja,
aquilo porque querem ser esquecidos.
Agoniado, vomito um grito desesperado;
Porque me tentam agarrar, segurar,
porque me tentam encontrar, se agora,
se agora que corro para o que quero ser
não mais suportarei aquilo que têm sido!
Que rufem os tambores de guerra
pois cairão por terra os vossos castelos ruídos.
Desenterrou-se, libertou-se do terreno de vossas serras
a viga rija que suportava o vosso querer escondido.
Corrompida, corroída, por insistência destruída
e embora sozinha, corre agora para uma nova vida.
3.
Oh vasta floresta perdida que me alimentaste a Alma
na tua pele procurei vida nos teus braços encontrei calma.
Floresce de novo o meu desejo com os teus seios em flor,
despe-me, semeia-te em mim, mostra-te sem pudor.
Incendeia-me de novo o corpo por te desejar assim.
Oh vasta floresta distante, secular no tempo e no espaço gigante
na tua Eternidade reside o amor e na tua distância a minha dor.
4.
Fosse eu o pássaro que transporta a alegria que inunda a Primavera de flores
Fosse eu o majestoso leão que transporta a vida que inunda o Verão de calor
Fosse eu o dourado das folhas dos plátanos que enchem o Outono de saudade
Fosse eu o branco da neve que no Inverno aquece os corações dos homens
Apenas de sublimes prazeres seria preenchido o teu espaço.
5.
Nunca por ti feliz escrevi
Mas hoje, mais do que feliz,
Sinto vida em mim por ti
E por ti hoje ninguem me diz
Que não posso escrever assim.
E para ti, como nunca quis,
Quero hoje escrever de mim.
Sinto-me vivo, sinto-me forte!
Tão forte que escrevo depressa
Para não deixar fugir a sorte
que é escrever-te sem pressa,
a pensar rápido para acabar
um qualquer verso risonho,
para no fim voltar a chorar
pelo fim do nosso sonho.