D.
Fevereiro 16, 2015
Eu e a D. somos ambos tetraplégicos. Ambos sofremos acidentes e estamos limitados. Duas coisas, no entanto e entre outras, não sofreram qualquer alteração: o sangue e o desejo. Como nada desejamos tão intensamente como aquilo que julgamos proibido, bastou um toque de mãos para querermos muito mais. Para desejarmos também o corpo. Assim que as mãos se tocaram, as vozes também o fizeram e o jardim onde estávamos encolheu na inversa proporção do nosso anseio. De voz trémula, ignorando quem nos acompanhava e lendo os olhos da D., perguntei:
- Qual é o teu livro preferido?
- Como sabes que gosto de ler?
- Disseram-me os teus olhos. Qual é?
- Trópico de Câncer do
- Henry Miller.
- Sim.
- Sabes que já foi adaptado ao cinema?
- Em 1970. Sei.
Conversamos dois minutos e, algo que nunca me tinha acontecido, rapidamente me apaixonei. Inteligência. Cultura. Beleza. Tudo reunido. Ganhei coragem, muita, e perguntei-lhe se queria continuar a conversa em minha casa. Timidamente, baixou a cabeça, sorriu e, depois de breves segundos de silêncio, respondeu que sim.
A caminho de minha casa continuamos a falar de livros e cinema. Descobrimos que temos pouco em comum, mas, como diz o ditado, “os opostos atraem-se” e, pelo menos, eu sentia-me muito atraído.
Lá chegados, após a complicada operação que permitiu usarmos ambos o elevador, entramos e, depois de lhe mostrar a casa, fomos para a sala. Conversamos e rimos muito. Demos as mãos. Aproximámo-nos. O tempo passava demasiado depressa. Respirei fundo, olhei-a nos olhos e fiz uns segundos de silêncio:
- Queres que peça para nos levarem para o quarto?
- Sim, mas não achas esquisito?
- Bruno! – Gritei.
- Que foi? – Gritou o Bruno da cozinha.
- Venham cá!
Chegados à sala (o Bruno e a Sandra – amiga da D.) pararam à porta e o Bruno perguntou:
- Que foi?
- Levem-nos, se faz favor, para o quarto.
Sorriram e fizeram-nos a vontade. Para não constranger a D., já tinha pedido ao Bruno para, caso pedisse para ir para o quarto, nos deitarem na cama sem fazerem qualquer comentário. Foi o que fizeram e depois de eles saírem a D. disse-me:
- Um bocado estranho, não?
- Daqui a nada já nem te lembras.
Com a mão esquerda – a única que mexe – toquei-lhe ao de leve nos lábios, olhei-a nos olhos e sussurrei-lhe:
- Prometo que daqui a nada já nem te lembras.
Beijei-lhe os lábios e, depois de conhecer intimamente cada linha do seu corpo, murmurei-lhe:
- Gostava de elevar-te alguns sentidos. Posso vendar-te?
- Podes. – Respondeu, sem pensar muito, como se já esperasse a pergunta e tivesse uma resposta preparada.
- Também gostava de te tirar a camisola e prender-te as mãos atrás das costas.
- Nunca fiz nada parecido, mas podes fazê-lo se me prometeres que me soltas de imediato se te pedir.
- Claro que sim. Claro que prometo.
Pensar que quase sem me conhecer tinha confiado em mim o suficiente fortalecia o meu desejo e aumentava a exaltação do momento. Amplificava-a.
Duma gaveta tirei uma venda e umas algemas. Despi-lhe o tronco por completo, algemei-a e vendei-a. Ver a D. seminua, vendada e indefesa excitou-me imenso e só pensava em beijar-lhe o corpo. Foi o que fiz.
Sei, por experiência própria, que o principal prazer trazido pela venda é o não sabermos o que vai acontecer a seguir. Por isso, sem lhe dar qualquer indicação, beijei-a de surpresa em várias partes do corpo. Peito. Ventre. Pernas. A cada beijo o arrepio e o gemido incentivavam o próximo.
Limitações impediam que entrasse na D., mas não impediam que o desejasse, que o imaginasse e que o sentisse. O pouco que conseguíamos, foi o suficiente para explodirmos num contorcer que me levou às lágrimas. Tirei-lhe a venda e disse-lhe:
- Provavelmente não será igual, mas temos que repetir.