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Red Tales

(...) cá estou eu, por aqui, a fingir que sou eu que por aqui estou (...)

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>> Cuidemos de Todos Cuidando de Nós <<

 

Alguns dos textos aqui contidos são de cariz sexual e só devem ser lidos por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor SAIA agora.

O jantar

Outubro 09, 2018

1.     

Nunca houve muitas mulheres como a Mariana. A uma beleza monarca juntava um corpo estelar e um sorriso com o mesmo fulgor; o cabelo liso, castanho, penteado para a esquerda e ligeiramente abaixo dos ombros, enquadrava um rosto quimérico, onde sobressaíam duas esmeraldas negras quase sempre meio tapadas e uma boca assimétrica que não escondia todos os dentes; tinha outra característica que, não vou mentir, me excitava imenso. A mim e, não sei explicar porquê, a quase todos os homens: era bissexual. Morava no nosso prédio, pelo que nos cruzávamos várias vezes e confesso que já tinha fantasiado com ela enquanto fazia amor com a minha mulher. Porco! Dirão. No entanto, pergunto, que mal tinha maximizar o prazer da mulher que amo? Mas isso dava um texto só sobre o assunto e não foi esse o meu objetivo quando comecei esta história: passava apenas por contar um breve episódio. Dois, na realidade.

Estava casado com a Sofia há apenas nove anos e, apesar de no resto tudo estar perfeito, sexualmente as coisas tinham esfriado um pouco. Admito que grande parte da culpa era minha, já que ela era uma mulher muito atraente e muito ousada.

Há uns meses, eu e a Sofia entrámos no elevador e, já a porta se fechava, ouvimos passos apressados e uma voz jovem:

- Esperem! Eu subo com vocês!

A minha mão lançou-se automaticamente sobre a porta do elevador e quase não tive que fazer força para que não se fechasse. Com vários sacos de hipermercado em cada mão e com o ar cansado, mas alegre que a caracterizava a Mariana entrava no elevador e com ela entrava um ténue, fresco e marítimo perfume, que certamente tinha alguma responsabilidade na sedução que emanava dela.

Vestia umas calças de ganga nitidamente novas, mas com um aspeto já gasto. Apertadas apenas o suficiente para lhe embelezar o que já era belo. Por cima de uma t-shirt lilás tinha um lenço que usava em volta do pescoço e cujas pontas lhe caíam para a frente, tapando cada uma delas uma pérola. Em conjunto com a indumentária, umas sapatilhas violeta da New Balance, completavam-lhe a imagem e davam-lhe um ar jovem e, para mim, muito sensual.

- Obrigada. – Disse-nos, com voz lenta e com um sorriso que preenchia todo o elevador. Também sorrimos, em resposta. Assim que a porta fechou, continuou:

- Já carregaram no vosso andar? Oitavo, não é? Eu carrego. Moro mesmo em baixo. – Concluiu, com um sorriso ligeiramente malicioso.

Colocou-se em bicos de pés, esticou o braço por cima da Sofia e, com o peito muito perto do rosto dela, carregou nos botões que nos levavam para os nossos andares. Tal como o prédio, também o elevador era antigo. A viagem foi lenta. Durante a subida foi óbvia a tensão entre os três. Tensão que, por vezes, um sorriso trapalhão disfarçava, mas que o silêncio aumentava e quase tornava palpável.

Chegados ao sétimo, a Mariana despediu-se de nós e saiu. Como se algo tivesse ficado esquecido, voltou-se para trás e, já do átrio, pediu-nos:

- Segurem a porta, se faz favor!

A Sofia pôs um pé a travar a porta e a Mariana prosseguiu:

- Estava a pensar: moramos aqui há mais de dois anos, temos idades semelhantes ou iguais e praticamente não nos conhecemos. Querem jantar em minha casa amanhã?

Era a primeira vez que me convidavam para jantar tendo, provavelmente, parte da comida nas mãos. Eu e a Sofia olhámo-nos, sorrimos e aceitámos o convite:

- Oito. – Disse, manifestamente agradada.

 

 

2.     

Faltava um quarto para as oito quando tocámos à campainha de casa dela. A Mariana abriu a porta velozmente e cumprimentou-nos com voz doce e serena. Os olhos sorriam-lhe com os lábios, tinha o cabelo ainda húmido e a tapar-lhe parte do rosto. Vestia um vestido curto, predominantemente grená, mas abrilhantado com minúsculas flores amarelas. O vestido era em algodão, apertava na frente – com, espaçados e poucos, botões de alto a baixo – e deixava-lhe destapadas as esbeltas, esguias e encantadoras pernas. Um triangular e destemido decote direcionava a visão. Alimentava a imaginação. Estimulava-a.

Estava descalça:

- Desculpem não estar totalmente pronta. Atrasei-me no trabalho.

- Estás ótima! – Atrevi-me. – Espero que gostes de tinto. Eu sei que é um lugar comum trazer o vinho, mas nós somos muito tradicionais. – Dei-lhe a garrafa e completei o gesto com um sorriso aberto e algo irónico.

- Adoro! Entrem! Sentem-se um pouco aí no sofá. Eu venho já, já!

Sentou-nos num imaculado sofá em pele branca, conversou um pouco connosco e saiu. Parecia dar, em vez de passos, pequenos e alegres pulos. Os pés descalços aumentavam-lhe a graciosidade e faziam do simples ato de andar uma sofisticada forma de dança – e de magnetismo:

- Vá. Vamos para a mesa! – Levou-nos até uma mesa retangular, coberta com uma toalha de linho e renda, impecavelmente posta. Em cada lugar havia dois pratos, em cerâmica – amarela um e azul o outro. Havia também três copos de diferentes tamanhos e formatos. Os talheres estavam ao redor dos pratos e brilhavam intensamente: certamente limpos e polidos há pouco tempo. Notava-se, na mesa, cuidado e gosto em receber.

No ar pairava um aroma a cominhos e cravinho. Deixava adivinhar comida indiana. Gastronomia que eu adorava.

A Mariana sentou-se em frente a nós e, durante todo o jantar, foram múltiplos os jogos e os sinais: mordia, com cuidado e insinuante suavidade, o lábio inferior; olhava-nos fixa e simpaticamente; subtilmente, afastava o cabelo com gestos sensuais.

Para entrada serviu apas com chutney de manga. De seguida perguntou-nos se gostávamos de sangue. Acrescentou que se não gostássemos havia carne assada. Dissemos que, em princípio, sim. Estava à espera de um caril qualquer, mas fui surpreendido com sarapatel e arroz branco. Deliciámo-nos os três. Terminado o prato principal e depois de alguma conversa, a Mariana levantou-se de novo:

- Não é tão doce como a Sofia, mas há sobremesa! – Um ténue e atraente sorriso acompanhava-lhe as palavras e, admito, em conjunto com elas, empolgava-me. Docemente, a Sofia retribuiu o sorriso e entusiasmou-me ainda mais.

A cozinha ficava atrás de mim e da Sofia. Quando voltou, a Mariana trazia um tabuleiro de madeira, pintado com motivos orientais e com pontas de fitas em cetim a cair das pegas laterais. Nele, trazia três pratos com uma fatia de bebinca e uma bola de gelado em cada um. Tinha muito espaço, mas fez questão de se inclinar sobre a Sofia para pousar a bandeja.

 

 

3.     

Ao endireitar-se comentou: - Que ombros maravilhosos, Sofia. – Colocou as mãos sobre eles e, rodando as palmas para cima, passeou-lhe as unhas entre os ombros e o pescoço. O gesto fez a Sofia fechar os olhos, sorrir prazerosamente e inclinar a cabeça para trás. A Mariana dobrou-se outra vez e sussurrou qualquer coisa que não ouvi, mas que fez a Sofia sorrir novamente. Segurou-lhe suavemente a cabeça e beijou-lhe, carinhosa e lentamente, os lábios. Afastou ligeiramente os dela e sorriu. A Sofia voltou a retribuir e eu sorria, entusiasmado, para todo o quadro.

A Mariana voltou a aprumar-se e manteve as carícias nos ombros e no pescoço da Sofia. Subitamente, com um gesto seco e muito rápido, partiu-lhe o pescoço. O choque paralisou-me e atirou-me para o silêncio - um silêncio que eu queria quebrar, mas não conseguia. A Mariana deixou a Sofia cair no chão, subiu para cima da mesa, gatinhou até mim e, com voz profunda, com a boca muito perto da minha, disse:

- Não querias comer a Mariana? Agora podes fazê-lo sem culpa.

Tinha as pupilas vermelhas e os olhos afundados num semblante sem expressão, num rosto feito de pedra e muito enrugado. A saliva escorria-lhe pelos cantos da boca e o cabelo tinha-se-lhe transformado num viscoso caos de serpentes, aranhas e palha.

Levantei-me e corri para a porta. A meio da sala olhei para trás e vi que a Mariana continuava de gatas, em cima da mesa e a olhar para mim. Já perto, voltei a virar-me e, nua, o ser em que ela se transformara aguardava encostada à porta e, com a mesma voz profunda, quase me implorava sexo.

Travei a curta corrida e voltei à mesa. Intencionava pegar em qualquer coisa com que me defender.

Uma faca. Tentava agarrar uma, mas ela já estava atrás de mim e colocava a mão sobre a minha, impedindo-me de a levantar. Libertei a mão e lancei a cabeça para trás. Atingi-lhe o nariz e, pela humidade sentida, devo tê-lo partido. Nesse momento, ela voltava a pressionar-me a mão e, em simultâneo, pontapeava-me os gémeos. Agarrava-me no cabelo e puxava-me a cabeça para trás. Senti que me libertava o cabelo e rapidamente me voltei. Ato contínuo, espetei-lhe, no ventre despido, um garfo que tinha agarrado. A dor era-lhe silenciosa e misturava-se com a surpresa num rosto finalmente expressivo. Caíram-lhe algumas lágrimas de sangue e, dos cantos da boca, em vez de saliva, escorria agora um líquido negro. Cuspiu-me e manteve-se em silêncio.

Aquilo em que a Mariana se transformara, como se fora um balão que o garfo furara, definhou na minha frente até desaparecer por completo e aparecer de novo no chão – vazia de tudo.

 

 

4.     

Enquanto telefonava para a polícia, as lágrimas no meu rosto eram materializações do meu desespero e, pelos incentivos à calma recebidos, transpareciam para o meu interlocutor. Foi-me pedido que saísse de casa e aguardasse a chegada da patrulha.

Desliguei e fiz o que me sugeriram: saí de casa e, no caso, também do prédio. Sentei-me ao lado da porta, encostado a uma parede rugosa. Estava de pernas encolhidas e com a cabeça entre os joelhos; como se aprisionasse os pensamentos. Não resultou. Quando os agentes chegaram, já eu chorava novamente:

- Senhor Martins?

- Sim. Sétimo C. A porta está aberta.

Fizeram-me mais algumas perguntas e subiram. Passados alguns minutos estavam de volta:

- Senhor Martins, temos que lhe pedir que nos acompanhe à esquadra.

- Claro, mas porquê?

- O que vimos não corresponde ao que nos disse. Devia haver duas mulheres mortas: uma de pescoço partido e outra com um ferimento no abdómen. Não vimos ninguém ferida. Só lá está uma mulher.

- Uma?! Viram bem? – Perguntei-lhes admirado.

- Segundo o seu depoimento, elas teriam que estar ambas na sala de jantar. Apesar disso, corremos a casa toda e nada.

- Estranho! Eu vou à esquadra, mas deixem-me primeiro ver a casa.

- Claro, mas teremos que o acompanhar.

 

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