primeiro pedir-te já desculpa se este texto for demasiado ousado. admito: certas palavras ou locuções, quando ditas – escritas, no caso – no contexto XXXX transformam o grotesco em sensualidade e são quase demolidoras.
recordo-me que ao lado da Riomar havia umas casas, das quais não me lembro da cor nem da altura. lembro-me, isso sim, de terem um pequeno alpendre e de, como era coberto, o termos usado, certa noite, para nos refugiarmos do borriço gelado que o mar atirava através das estrelas – excelente desculpa para nos escondermos.
a escuridão trazia um aroma inebriante a maresia que se combinava com o cheiro da água doce do rio. misturavam-se ambos com o frio e, em conjunto com ele, eram um álibi perfeito para tudo o que nos unia naquele momento.
quase conseguíamos tocar na areia, esbranquiçada pela geada. eram quase cinco horas que, naquela altura do ano, está ainda longe da aurora. açodados pelo desejo, não demorámos nem cinco minutos a estarmos deitados e colados. os meus lábios colados nos teus. as minhas mãos coladas no teu corpo. dentro do teu casaco. dentro da tua camisa. a explorarem com avidez tudo o que se lhes apresentava: o teu ventre que o mar alisara; o teu peito que o Sol desenhara. por vezes, em total desgoverno, subia uma das mãos até sair pela tua gola, acariciava-te o pescoço, humedecia os dedos na tua boca e voltava com eles, agora tocados pela tua língua, aos teus mamilos.
não sei como recordas esses momentos nem, sequer, sei se os recordas, mas eram a tua cara de prazer e os teus olhos fechados que me encorajavam e guiavam os gestos. foram eles a tirar-me a mão de dentro da tua camisa e a dizer-lhe para descer. obedeci-lhes. lentamente. dando-te tempo de perceber e autorizar. arqueavas e contorcias o corpo. sorrias. a minha mão chegou ao destino. tocou-o e sentiu o teu deleite através das calças.
o alpendre era-nos cada vez mais pequeno e nem as lajes vermelhas, onde nos deitávamos, conseguiam dissipar o calor por nós emanado. as marcas de suor no chão eram evidentes. o teu corpo era o mistério que a maresia completava; era como água que eu aprisionava na boca; uma lâmina no meu sangue.
a tua língua mansa era a semente do meu gemido. a humidade no meu peito.
não me lembro como chegámos ali, mas tinhas a cabeça deitada numa das minhas coxas e eu prendia-ta com a outra. estávamos vestidos, mas eu tinha a boca, por cima das tuas calças, mergulhada na tua vagina. fingia que não havia lá tecido. pressionava-a, beijava-a e imaginava-me a invenção do grito ou o arrepio da pele.
tinhas a boca perto e confesso ter também estado próximo – da loucura. o desejo, o prazer e a imaginação quase me levaram ao grito. o arco do prazer era um espasmo. incontrolável. trazia corações descompassados, alegria, respirações ofegantes e gemidos presos entre as pálpebras.
a memória é traiçoeira e já me esqueci quem, mas um de nós rodou o corpo e voltámos a colar as bocas. línguas em húmida luta. sôfrega batalha sem vencidos. o meu corpo serpenteava lento, mas firme, sobre a cama voraz que o teu lhe dava. flor carnívora. as minhas mãos espalhavam-se nele. inquietas, nervosas. a explorar e a descobrir todos os mistérios da carnalidade. desapertei o botão das tuas calças. eram as tuas coxas, onde os dedos pressionavam e deslizavam devagar até ao centro do corpo e do mundo, até ao sedoso e aquático interior do centro do mundo. era o dia que se abria solar para os meus dedos.
não muito longe, o mar explodia. banda sonora do fogo: reforço aos gestos: servia ao ritmo dos dedos. as ondas subiam e desciam, alisavam as areias como nos fazia à pele o roçar do sangue.
estaria a casa vazia?