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Red Tales

(...) cá estou eu, por aqui, a fingir que sou eu que por aqui estou (...)

Red Tales

>> Cuidemos de Todos Cuidando de Nós <<

 

Alguns dos textos aqui contidos são de cariz sexual e só devem ser lidos por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor SAIA agora.

internamento - a relva na boca

Fevereiro 24, 2023

(continuação daqui)

uma das coisas que quero contar, para ser honesto, não recordo muito bem. no entanto, não posso, mesmo que com imprecisões, deixar de contar isto.

como talvez imaginem, nos primeiros tempos de internamento, com o coma e tal, não ingeria nada pela boca. quando acordei do coma, durante algum tempo, continuei a não ser alimentado nem medicado pela boca, mas ao fim de algum tempo a medicação já me era administrada pela boca, depois faço uma publicação a explicar porque é que não me davam medicação pela boca. 

a falta de conveniente atividade da minha boca, os efeitos que alguma medicação tinham nela, os efeitos das secreções e, digo eu, alguma negligência do corpo clínico - as pessoas que me eram próximas e me acompanhavam, nunca imaginaram que isto fosse possível -, permitiram a criação de uma camada fúngica sobre a minha língua, verde e muito semelhante a relva. eu ter tendência a cerrar os dentes também não ajudou a que essa situação fosse detetada antes de chegar àquele ponto. no entanto, insisto, o corpo clínico tinha obrigação de saber que isto podia acontecer e tomar todas as medidas preventivas que fossem necessárias. ou terei sido o primeiro a montar uma estufa na própria boca? se calhar inventei a solução para a futura falta de alimentos.

(continua, eventualmente)

wislawa szymborska - o primeiro amor

Fevereiro 24, 2023

Dizem
que o primeiro amor é o mais importante.
É muito romântico
mas não é o meu caso.

Algo entre nós houve e não houve,
deu-se e perdeu-se.

Não me tremem as mãos
quando encontro pequenas lembranças,
aquele maço de cartas atadas com um cordel,
se ao menos fosse uma fita.

O nosso único encontro, passados anos,
foi uma conversa de duas cadeiras
junto a uma mesa fria.

Outros amores
continuam até hoje a respirar dentro de mim.
A este falta fôlego para suspirar.

No entanto, sendo como é,
não lembrado,
nem sequer sonhado,
consegue o que os outros ainda não conseguem:
acostuma-me com a morte.

21

Fevereiro 24, 2023

debaixo da mesa, a mulher estava descalça, com as pernas esticadas e com os pés apoiados na cadeira dele. o homem tinha o pénis fora das calças e ela usava os pés para o masturbar. o pénis estava enorme, tinha a ponta muito brilhante e notavam-se nele algumas veias a pulsar.
em cada mesa havia uma vela. a chama da deles estava muito brilhante, parecia dançar e projetava uma mistura de sombras, luz e cores no rosto deles. parecidas com pinturas de guerra de uma qualquer tribo africana, as projeções, tornavam-nos ainda mais sensuais. olhei para a Maria apenas para confirmar que a vela da nossa mesa não fazia nela o mesmo efeito.
não pareciam nada incomodados com a nossa curiosidade. acho que ainda os excitava mais. ela acelerou o ritmo dos movimentos, ele atingiu o orgasmo e o esperma acariciou os pés dela. nesse preciso momento, a Maria, soltou um, quase impercetível, gemido, olhou o homem nos olhos e ambos sorriram.

AVC

Fevereiro 23, 2023

tenho falado no coma, no internamento e no que se foi passando no hospital, mas ainda não falei no que lá me levou. chamo-me lfdsa, nasci em 19xx e até 2006 tive o que se pode chamar de “vida normal”. bem, na realidade, não foi muito normal, mas já lá vamos. primeiro quero contar o que me aconteceu em 2006. em agosto de 2006. segundo dizem. tal como de muito do que aconteceu desde então, não tenho qualquer recordação desse dia. só me lembro do que me contam e isso não são memórias. ao contrário das memórias, nada me obriga a acreditar nestas histórias. mesmo das recordações há que desconfiar. posso ser maluco e fabricá-las todas (que ninguém me ouça a dizer isto).
voltando um pouco atrás, até 2006, tive um AVC grave e fiquei tetraplégico. alguns consideram um milagre eu ter sobrevivido. eu considero apenas sorte. “apenas”.
tudo começou de madrugada. acordei indisposto e com uma forte dormência do lado direito. sintomas que desconhecia e cuja celeridade com que passaram ajudaram a ignorar. nem acordei a acrs. de manhã, como era relativamente usual eu ir trabalhar um pouco mais tarde, nem eu nem ela demos qualquer importância ao facto de eu dizer que o faria.
dessa hora até a acrs vir almoçar sabe-se apenas que telefonei ao INEM, que ainda disse o nome da rua, mas que já não disse o número da porta. resultado: seis horas apagado e sem qualquer assistência. os médicos dizem que, no meu caso, não, mas eu estou convencido que todo esse tempo agravou as sequelas da sulipampa. Quando a acrs chegou eu estava caído no chão, desmaiado e a sangrar (bati com a cabeça ao cair). deve ter sido uma experiência horrível para ela. a acrs diz que ainda hoje sente o cheiro a sangue. ainda segundo ela, os breves segundos que decorreram entre o abrir da porta, chegar até mim, abraçar-me e ver que eu estava vivo, pareceram-lhe uma eternidade vivida muito lentamente. foi ela que, sem nunca me largar, telefonou ao INEM para me ajudarem.
ao chegar, a equipa da emergência médica, mandou a acrs para outra divisão para ela “não atrapalhar”. eu acho que foi para não me ver morrer. fizeram um bom trabalho e, como é óbvio, mantiveram-me vivo. duvido que se tivesse morrido estivesse a escrever este texto.
dei entrada no hospital já em coma e quase morto. as primeiras horas foram absolutamente sufocantes para quem me acompanhou. as pessoas que mais me amavam não sabiam sequer se eu estava vivo. quando finalmente deram informações minhas, mais valia terem ficado calados:
- O indivíduo não deve sobreviver a esta noite.
indivíduo? não basta dizerem que vou morrer ainda me chamam indivíduo? quase vomitei quando soube isto. eu sei que a prioridade ali é salvar vidas, mas é assim tão complicado juntar a isso um bocadinho de sensibilidade? será que nas faculdades ensinam que a estupidez é a melhor defesa e que os mais sensíveis chumbam? para além de se ter enganado.
depois desta pérola perguntou quem me queria ver. a acrs antecipou-se a todas as pessoas e disse logo que ia ela. apesar de todos os avisos do médico, ela contou-me que, naquele momento, ver-me foi um misto de alegria e choque. por um lado, eu estava vivo, por outro, nem em séries tinha visto alguém com tantos fios e tubos. 

20

Fevereiro 23, 2023

sinto o corpo dormente, é como se uma luz de palha iluminasse o meu sangue. algo me abraça e me aperta os órgãos. toda esta gente a esmagar-me contra o chão e a respirar primeiro que eu. o pensamento e o coração não o fazem, mas lamentavelmente o corpo teima em antecipar desgraças que poderão não acontecer, vive em dúvida permanente. acredito ser transparente ou então sou um grito silencioso.

internamento - aspiração

Fevereiro 23, 2023

 

(continuação daqui)

ATENÇÃO: esta publicação pode conter alguma imprecisão, mas tentei aproximar-me o mais que consegui.

 

 

com o uso da traqueostomia o paciente deixa de respirar pelo nariz e boca e passa a respirar pelo orifício da TQT. no entanto, com a pneumonia e consequente oceano de secreções que se formava, não só o orifício da TQT ficava obstruído, como os brônquios ficavam muito congestionados. a conjunção dessas duas coisas dificultava muito a minha respiração, o que fazia disparar os alarmes de falta de oxigénio. quando as máquinas tinham leituras de oxigénio abaixo de um determinado valor eu era aspirado.

a aspiração consistia em enfiarem-me um tubo pelo orifício da TQT e fazerem com ele o percurso da traqueia até aos brônquios. ligavam a extremidade do tubo fora do corpo a uma maquineta e, literalmente, aspiravam-me os brônquios do excesso de secreções. o procedimento era tão doloroso que, apesar de estar tetraplégico, o meu corpo esticava-se e saltava na cama.

tinha pensado em descrever o procedimento completo e o seu resultado, mas estou agora a pensar melhor e acho que vos vou poupar à nojeira.

(continua, eventualmente)

19

Fevereiro 23, 2023

já estou aqui há duas horas. altura do meu terceiro café. espero não encontrar ninguém na copa. detesto conversas de cortesia e ninguém aqui lida bem com o silêncio. não percebo a necessidade que as pessoas têm de falar quando estão juntas. nos meus tempos de adolescente tinha um amigo, com quem a intimidade e cumplicidade eram tão grandes, que estávamos confortavelmente em uma esplanada, a tarde inteira, sem falar. nunca mais encontrei ninguém com quem o conseguisse fazer. hoje, olhando para trás, admito que talvez exagerássemos, mas, voltando ao presente, agradava-me muito se as pessoas reduzissem as conversas ao essencial e ao humor. quando as palavras são áridas e, nelas, nada floresce, o silêncio é a mais resiliente e vantajosa semente.

albano martins - quase marinha

Fevereiro 22, 2023

Desta luz, mais branca
do que o branco – ou
do que o leite, como diria Safo –,
o que pode dizer-se
é isto: um dia
o céu
acordou sem nuvens e a linha
do horizonte, de tão fresca
e tão nítida
e tão próxima, era o parapeito
onde a infância vivia
debruçada. E era
ali que o voo
das gaivotas começava.

internamento - traqueostomia

Fevereiro 22, 2023

traqueostomia2.jpg

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(continuação daqui)

não sei se repararam, mas mudei o título destas publicações, apesar de não me lembrar de muita coisa do internamento, do coma recordo ainda menos. do internamento acho que consigo contar mais umas coisas. até porque baralho no tempo algumas delas e não sei ao certo se aconteceram durante ou depois do coma. antes não podem ter sido que já fui internado em coma. em uma escala de zero a cinco, sendo o zero morto e o cinco perfeitamente consciente, fui avaliado como estando no um.

porque foi marcante, quero voltar atrás e tentar descrever um procedimento pelo qual passei várias vezes: a maldita aspiração. quando dei entrada no hospital, uma das coisas que me fizeram foi uma traqueostomia para me ajudar a respirar. esse procedimento salvou-me a vida e quase que me matou.

a traqueostomia, por muito que o ambiente em que é feita seja controlado, não deixa de ser uma porta para o interior do corpo. pensa-se que, através dela, duas bactérias diferentes tenham entrado e provocado uma pneumonia. graças a essa infeção tive febres altíssimas e muitas secreções, que me impediam de respirar normalmente e as quais não conseguia expelir. resultado: aspiração.

 

ps e errata: não estive quatro meses em coma. estive quatro meses internado e sensivelmente dois em coma.

 

(continua, eventualmente)

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