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Red Tales

(...) cá estou eu, por aqui, a fingir que sou eu que por aqui estou (...)

Red Tales

>> Cuidemos de Todos Cuidando de Nós <<

 

Alguns dos textos aqui contidos são de cariz sexual e só devem ser lidos por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor SAIA agora.

18

Fevereiro 22, 2023

estes longos corredores encurtam-me. escorregam e reduzem-me. tantas pessoas. tanta escolha. sinto-me preso a esta liberdade: ovos S, M, L, XL; mostarda Savora, Heinz, Hellmann’s, Paladin, Linea. aqui temos tudo o que precisamos para desperdiçar com qualidade. caminhamos para um local estranho. nestas prateleiras está quase tudo em chamas e, no entanto, continuamos a regá-las com o mesmo combustível que alimenta a necessidade.

coma 2

Fevereiro 22, 2023

(continuação daqui)

 

também suscita sempre curiosidade saber se durante o coma os pacientes têm consciência do que se passa ao seu redor, nomeadamente se ouvem. não sei o que diz a ciência a esse respeito, mas posso garantir que, no meu caso, sim. lembro-me perfeitamente da voz do Kurt Cobain a falar comigo e do barulhão que fazia o meu antigo sogro a jogar à bola contra o portão de uma garagem debaixo do meu quarto.

fora de brincadeiras, no meu caso, a resposta é mesmo sim. ainda ecoam os acordes da música que me punham nos auscultadores do leitor de mp3 e, apesar de já não recordar quais, lembro-me bem de terem enchido o meu quarto de fotografias.

 

(continua, eventualmente)

eugénio de andrade - mar sobre a boca

Fevereiro 21, 2023

 O corpo sabe.
O corpo não esqueceu ainda
a direcção do sol:
fará a casa perto do mar,
fiel ao quase adolescente
coração da água.
As mãos acesas – altas, altas.
 
O mar – sempre que toco
um corpo é o mar que sinto
onda a onda
contra a palma da mão.
Vésper está agora
tão próxima que já não posso
perder-me naquela infatigável
ondulação.
 
Vinha do mar.
A sua boca ardia.
Só casualmente passou por aqui.
Como o tordo branco. E a cotovia.
 
Vem das ilhas ou dum verso de Homero.
Como dormir, depois de ter ouvido
o mar o mar o mar na sua boca?

coma

Fevereiro 21, 2023

para quem tiver curiosidade sobre o assunto, aqui fica um testemunho na primeira pessoa: o meu.

na sequência de um avc grave, estive quatro meses em coma. imagino que cada caso seja um caso e que haja quem tenha estado em coma sem ver nisso nenhum benefício e cuja experiência seja bastante diferente da minha. eu consigo tirar algumas coisas boas: deixei de fumar; conheci pessoas fantásticas, pessoas que jamais conheceria se não fosse o coma - até porque algumas já tinham morrido quando tive o avc; estive em locais incríveis a assistir a eventos fabulosos que, na sua maioria, aconteceram antes de eu nascer; as pessoas que me amavam, passaram a amar-me ainda mais - ingénuas, se conseguissem ver o futuro isso talvez não tivesse acontecido. o coma também tem de bom impedir-nos de sentir o horror de alguns tratamentos. a aspiração é um exemplo. 

outra coisa (e relembro que estou a falar apenas no meu caso), nunca houve nenhum túnel, nem nenhuma luz. se calhar, ao contrário do que foi dito, nunca estive suficientemente perto da morte. no entanto, se medirmos essa proximidade pela quantidade de fios, tubos e máquinas a que estive ligado, então estive mesmo muito perto.

 

(continua, eventualmente)

adam zagajewski - mudança

Fevereiro 21, 2023


Havia meses que não escrevia
nem um único poema.
Vivia com humildade, lendo os jornais,
pensando no enigma do poder
e nas causas da obediência.
Olhava para os pores-do-sol
(escarlates, cheios de inquietação),
escutava o emudecimento das vozes dos pássaros
e o silêncio da noite.
Via os girassóis a pendurarem
as cabeças ao lusco-fusco, como se um carrasco distraído
passeasse por entre os jardins.
No parapeito recolhia-se
a doce poeira de Setembro enquanto os lagartos
se escondiam nas curvaturas dos muros.
Dava longos passeios,
sedento duma coisa só:
dum relâmpago,
duma mudança,
de ti.

17

Fevereiro 21, 2023

por vezes, uma porta pode esconder as flores que queremos dar a um amigo, mas atrás desta há apenas uma longa e larga escadaria para o deserto. subi-la é uma manifestação de solidão. mesmo que me cruze com alguém, a escadaria é tão larga que também esse será um momento solitário. a cada degrau, o chão aquece e derrete, afundando-me mais os pés e tornando-a cada vez mais difícil.

16

Fevereiro 20, 2023

este corredor está mais apertado todos os dias, a cada um vejo as paredes mais curvadas e o teto mais próximo da minha cabeça. vale-me o pequeno pátio interno, entre este corredor e o edifício onde trabalho, para respirar fundo antes de morrer. acho que estas fileiras de apartados não existem – seis anos a passar aqui e nunca vi nenhum a ser aberto.

estranho! não está ninguém no pátio a fumar. eu já não devo ir a tempo, nem me interessa ir, se são quando me mato as únicas alturas em que sei estar vivo, mas terão, todas as pessoas, ganhado juízo? isso ou despediram-se, que no fundo é o mesmo.

nuno júdice - um resto de insónia

Fevereiro 19, 2023

A noite chegou até ele sem bater à porta;
devagar, instalou-se no sofá da sala, escureceu
os cantos, roubou a luz às lâmpadas. E
não abriu a boca: enquanto ele, sem nada
compreender, a empurrava para longe de si,
tentava abrir as janelas, acendia velas,
que ela soprava por trás. A noite chega,
assim, afirmando a sua presença. Não dá
descanso, a não ser que a aceitem como ela é:
mas não é fácil tê-la dentro de casa, nem conviver
com os seus gestos de treva. Talvez se possa,
apenas, murmurar esse nome que ela nos
roubou, um dia, e que só agora se nos torna
necessário lembrar; ou invocar uma protecção
ilusória, a deusa diurna, de cabelos iluminados
pelo ouro primaveril. Tudo inútil – e como ela
se ri!, a noite branca que o obriga a manter
os olhos abertos, fixando o último fio de luz,
como se também a sua vida escorresse por aí…

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