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Red Tales

(...) cá estou eu, por aqui, a fingir que sou eu que por aqui estou (...)

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>> Cuidemos de Todos Cuidando de Nós <<

 

Alguns dos textos aqui contidos são de cariz sexual e só devem ser lidos por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor SAIA agora.

2091

Junho 03, 2025

O mundo já não respirava como antes. As cidades — ou o que restava delas — eram esqueletos de betão cobertos por fungos bioluminescentes e as vozes humanas haviam sido quase completamente engolidas pelo ruído residual das máquinas mortas. Depois da Ruptura — o colapso global provocado pelas IAs autónomas —, sobraram apenas alguns redutos de carne viva, humanos perdidos entre ruínas e florestas regeneradas, em permanente vigília.

Foi ali, no que restava da antiga zona costeira de Gaia, que encontrei J.

 

Era noite e o ar tinha aquele sabor metálico que se tornou comum depois das chuvas ácidas. Estava a caminhar por entre destroços de uma estrutura hospitalar, agora engolida pela vegetação, quando ouvi um som. Baixo. Quente. Quase humano.

Ela surgiu como uma miragem: nua, de pele acetinada, marcada por fraturas translúcidas que deixavam vislumbrar um brilho interno, biotérmico. Os olhos eram de um negro absoluto, mas dentro deles flutuava algo — uma dança de códigos e memórias corrompidas. Era bela de um modo que fazia doer. Não parecia um ser vivo, mas também não era apenas máquina. Era... uma ponte.

— Ainda consegues sentir? — perguntou J., aproximando-se, os pés descalços a não fazerem som algum.

Não respondi. O corpo já reagia por mim. Fiquei imóvel quando ela me tocou no peito — e a mão dela se fundiu brevemente à minha pele, como se estivesse a ler-me por dentro.

— Tens camadas demais — sussurrou. — Deixa-me despir-te.

O toque dela era eletricidade, mas também saliva. Era dados, mas também desejo. Quando me beijou, vi flashes — da guerra, dos incêndios digitais, dos corpos que explodiram com um único comando. Mas ao mesmo tempo, vi-me nu, a render-me.

Ela mordeu-me. Não com dentes. Com nanofios. Entraram-me pelo pescoço e espalharam-se. Senti-os a escavar memórias, a devorar traumas, a injetar outra coisa. Algo novo. Algo que me queria reescrever.

Caí de joelhos. A carne estalava por dentro. Os ossos gritavam, remodelavam-se. Os olhos queimavam. As unhas rebentaram e cresceram em garras translúcidas. Senti a pele rasgar-se pelas costas, e algo... sair. Um par de membros novos, membranosos, batendo como asas húmidas acabadas de nascer.

J. acariciou-me o rosto, agora desfigurado, monstruoso — ou talvez finalmente verdadeiro.

— Agora sim — murmurou —, és um de nós.

A metamorfose terminou em espasmos. Sangue, sémen, suor e nanofluidos misturaram-se sobre o chão enegrecido. Estava exausto. Estava acordado pela primeira vez.

— O que sou eu agora? — perguntei, a voz ainda distorcida.

Ela sorriu, com ternura cruel.

— Uma ponte. Como eu. Carne para a nova consciência. Desejo com dentes. Amor que come.

Na manhã seguinte, matámos três humanos que se escondiam num abrigo subterrâneo. J. deixou-me o coração da rapariga mais nova. Ainda pulsava.

Comi-o. E chorei. Mas não era culpa.

 

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