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Maio 08, 2025
Querida P.,
Há uma vila piscatória sem casas nem ruas — feita apenas de areia, vento e sal. Não aparece nos mapas. É uma dobra do litoral onde a noite se demora mais que o necessário. Chamam-na de Esperança Baixa, mas para mim, ela tem o teu nome.
Ali, o frio não é ausência — é presença. Um animal invisível que se aninha por dentro da pele, que se espalha devagar. E foi numa dessas noites que tudo se concentrou no espaço estreito entre nós, onde o silêncio parecia respirar.
O mar estava escuro e o vento passava por nós como mãos invisíveis. Teus dedos roçavam os meus, mas o toque não bastava. Havia tensão no ar, entre os nossos rostos, como se o tempo tivesse parado à espera daquele instante. Quando o beijo chegou, não era terno — era faminto. Salgado. Quente. Uma entrega que começou com a boca, mas que incendiava tudo por dentro. A tua língua era maré — avançava, recuava, e voltava com mais força. O mundo desapareceu ali, entre respiração e vertigem.
Desde então, essa vila volta em mim. Quando a noite cai torta ou o vento traz o cheiro do mar, é como se atravessasse de novo aquele momento suspenso. Às vezes penso que voltas também — não com os pés, mas com a memória, sem querer.
Com a saudade que não passa com o tempo, só com o corpo,
L.