#55
Junho 18, 2025
escrever
não escrevo para refrescar o sangue ou adoçar as mãos, nem sequer para arquear alguma coisa. escrevo numa vã tentativa de sol e também porque preciso de dizer com humildade, à massa de gente que me habita, as minhas palavras. escrevo na tentativa que cada uma dessas pessoas reconstrua aquilo que destruiu.
há dias em que a escrita é uma oração. noutros, é só grito abafado. quase sempre, é o único gesto inteiro que me resta. a única escada - mas mesmo essa é feita de palavras gastas e por vezes falha.
escrevo porque dentro de mim vivem vozes que quebraram coisas que não sabiam nomear - romperam promessas, abandonaram lugares e cuspiram silêncios como quem já não queria ser tocado. escrevo para pôr essas vozes frente ao que deixaram cair.
há dias em que a escrita é uma oração, sim, mas não no sentido religioso, num sentido mais nu - uma súplica sussurrada ao escuro, um gesto de fé em algo que talvez já não exista. uma tentativa de comunhão com o que em mim ainda não desistiu. nesses dias, escrevo de joelhos por dentro.
e sim, noutros dias, a escrita é só grito abafado. não encontra forma, não encontra música. é murro no papel ou soluço interrompido, um ruído espesso que me atravessa sem tradução.
nesses dias, não escrevo para comunicar, escrevo para não explodir.