14. Apontamentos para memória futura
Janeiro 27, 2012
estou dobrado como ervas à beira lago
insectos desfocados saltitam em silêncio
na superfície da água
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Janeiro 27, 2012
estou dobrado como ervas à beira lago
insectos desfocados saltitam em silêncio
na superfície da água
Janeiro 26, 2012
o infinito mora-te nas mãos
sem que a tua língua o saiba
tens muito calcário nos dedos
como as serras e montanhas
os teus lábios de orquídea
enchem-me o dormir de perfume
Agosto 01, 2011
a próxima caravela,
tal como eu,
dispensa apresentações
o corpo de uma mulher é para
se saborear como
se saboreiam as cerejas
o infinito escorre-me devagar entre os dedos
em minha casa tenho um canto só meu
uma criança perdida numa grande cidade
é como um pequeno rato num
esgoto imenso
estou muito apertado
aqui sentado
neste lugar
de pedra
e pântanos
vou num comboio de água
para as ruínas de uma cidade antiga
com colunas de carne
no lugar das pernas
e martelos de manteiga nas mãos
não há como fugir do inevitável infinito
se eu tivesse vivido
mais tempo,
tinha acabado
este poema
sou um pássaro, verdadeiro,
mas sem asas e sem bico
deitado num ninho de facas
e espinhos grossos
com neve no peito
e unhas na ponta das penas
escavar invernos na sombra
ter medo de rodas gigantes
esse é o destino dos poetas
tenho ervas daninhas no lugar dos dedos
se pintassem o teu sorriso em todas as árvores
deixaria de haver incêndios
tenho asas
na cara
a fazer lembrar
relógios dobrados,
silentes.
acredito
imensamente
na nudez
das palavras.
o silêncio,
também pode ser
um grande poema?
há sempre os vossos vestígios
nos meus dedos
quando escrevo um poema
há uma claridade perfeita no teu corpo
que ofusca o mundo todo
têm que ser coisas pequenas que isto custa
plutão já não é um planeta
é uma bicicleta enferrujada
ou um cão
que se corre à pedrada
o tempo abraça-o de improviso
e ele chora muito
numa mesa de café muito queimada
sentei-me de improviso num afiado muro de pedra
para escrever um poema,
mas a folha permaneceu virgem demasiado tempo
e eu levantei-me
que pausa me pousou no peito
estou dobrado como ervas à beira lago
insectos desfocados saltitam em silêncio
na superfície da água
de olhos vazios espelhados na água
olho o meu reflexo,
mas não me vejo.
estou só a ver se ainda sei escrever
Dezembro 31, 2004
sinto, pelo terminar do canto, um fascínio ébrio e matemático. divertem-me a esperança e os projectos esquecidos dois dias depois. divertem-me muito as cidades. assim vestidas, de céu e panos brancos. sabes, a recompensa das cidades é o asfalto azul que as percorre na lentidão do último dia, isso diverte-me, mas escuta: que a vastidão do novo pássaro lhes sorria sempre, que seja essa e só essa a sua recompensa, a minha será ver a morte de alguns bichos enquanto aprendo a idade dos anjos nos teus lábios.
Dezembro 20, 2004
vida toupeira, desperdício genético,
na cegueira colectiva faço apenas o que me obrigam.
tão pouco é o ar que respiramos.
catacumbas, espirais, túneis em chamas
que não chegam nem levam a parte alguma do céu
tão pouco é o ar que respiramos.
estou no lado errado da lua.
numa sala, fechada pela orgulhosa ignorância
de um gorila que navega à deriva,
protegendo-se das tempestades de merda,
que ele próprio inventa,
com a máscara do conforto.
tão pouco é o ar que respiramos.
pouco interessa.
tão pouco é o ar que respiramos.
nada que me interesse.
estou rodeado de orgulhosos poços de saber,
profundos abismos oceânicos povoados de conhecimento,
formas de vida desprovidas de vazio,
tudo as preenche na totalidade e,
imagine-se,
basta-lhes uma moeda
para responderem a todas as necessidades.
até eu, cápsula de cianeto, posso mergulhar
e afogar-me nesse mar de erudição,
sem perigar
qualquer outra espécie
viva ou já morta.
no último sopro da toupeira
faço apenas o que me obrigam.
escasso é o ar nestes túneis.
Dezembro 17, 2004
tenho a imaginação rodeada pelos teus lábios quase fechados
e a respiração (des)controlada pelo vento
na memória das tuas mãos
as serpentinas da saudade agitam-se negras no ar
como se os braços enormes do silêncio
espalhassem sombras no abandono da pele
e o ondular nocturno dos meus olhos
destapasse o ninho de escaravelhos verdes
que se esconde por dentro das flores
preciso muito de saborear a humidade do sangue
ou de adormecer entre o conforto das tuas asas
e o eco de uma palavra que dissolva a chama
Dezembro 15, 2004
não te cales:
talvez o suicídio do amor
seja consentir o silêncio
na súbita aparição das sombras
Dezembro 15, 2004
não percebo porque se escrevem tantos poemas ao silêncio.
serão silêncio os murmúrios e gritos das palavras quando crescem?
Dezembro 15, 2004
a queda milimétrica
de uma teia de impulsos
sobre o sono
ou
a mais inútil tentativa
de adormecer
com as aranhas do silêncio
no corpo
Dezembro 06, 2004
pergunto-me
num suspiro de chamas
se é a mulher que me cresce nos ossos
ou a língua de sal as sombras
e as estátuas de vidro
esta teia de ventos
entre o sangue e a imobilidade do corpo.