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Red Tales

(...) cá estou eu, por aqui, a fingir que sou eu que por aqui estou (...)

Red Tales

>> Cuidemos de Todos Cuidando de Nós <<

 

Alguns dos textos aqui contidos são de cariz sexual e só devem ser lidos por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor SAIA agora.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 7

Maio 13, 2023

sentávamo-nos na beira da cama e, separados apenas pela espessura do olhar, com a ternura inclinada sobre nós, cada função era uma luminosa floração de desejo. todos os limites tendiam para a união dos lábios. as derivadas resultavam sempre em tangentes dos corpos e integrávamos sempre um sorriso cada vez que cedíamos ao calor. a matemática era breve e as mãos eram longas. ainda no início, por vezes, os nossos joelhos tocavam-se e, todos os dias como se o primeiro, como se entre eles houvesse uma tempestuosa energia, como se um orgasmo do mar me atingisse, a ondulação ou um arrepio forçava-me a subir ao topo de uma colina, a libertar um gemido silencioso e a arquear disfarçadamente as costas.

tão leves e audazes quanto pensamentos, as minhas mãos caminhavam-lhe então. sem descanso. à sombra de montanhas e primaveras, por grutas e mistérios, chegavam ao topo: acendiam fogueiras. incessantes, voltavam a descer e refugiavam-se em macios abrigos ocultos. eram como predadores famintos e selvagens em uma savana de presas – sem saberem muito bem qual atacar. era um caminho onde não havia pedras. um espaço liso e sem obstáculos à viagem dos sentidos.

o corpo cálido dela era agora uma ilha branca rodeada pelo secreto desejo. no papel, já não havia gráficos de funções. era ela que desenhava o gráfico de funções logarítmicas com as pernas entrelaçadas na minha cintura e havia latidos de cachorros azuis que se lhe repetiam na boca como um impercetível gemido – rumor do prazer – ou como flores a morder a luz e a marcá-la com meias-luas. as pérolas ardiam-me nas mãos e na saliva – eram o lugar mais perto das chamas.

 

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 6

Maio 11, 2023

os lábios dela conseguem lançar as sementes que fazem o trigo nascer dourado – e crescer eternamente. é o seu nome que me veste de alegria quando os dias são de sombra. recordo-lhe a voz permanente:

as palavras continuam

flutuam-lhe entre os lábios

como um desfile de sol apresentado por Deus

considere-se também o corpo: como um anzol a ferir as mãos ou a brilhar e destacar-se em água cinzenta. recordo-lhe a urgência. era um caminho sem fim para a volúpia. apesar de jovem, já tinha a maturidade das estrelas. tal como hoje, era a dança das serpentes.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 5

Maio 02, 2023

a ave com voo azul. a única a cantar nas encostas de silêncio silvestre. a única dentro do branco. ela, azul, como se pássaro de lume, a arder-me: ora nos olhos, ora no sangue.
éramos a pressa da adolescência e sobre nós havia sempre um calor silencioso. havia sempre um mistério a enaltecer-lhe a impiedade do corpo. era-lhe sempre verão nos lábios e no seu quarto soprava um aroma frutado que se concentrava nas mãos, que me separava o sangue da carne e me aumentava a temperatura da pele como se o próprio sol me morasse nas veias. as equações eram sempre uma desculpa e todas as sílabas eram breves, um veloz murmúrio de antecipação. entre cada xis ao quadrado a boca dela procurava uma fogueira ou então era uma fogueira e eu detinha-me no sabor róseo entre aristocráticas derivadas.
os lábios dela conseguem lançar as sementes que fazem o trigo nascer dourado – e crescer eternamente. é o seu nome que me veste de alegria quando os dias são de sombra.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 4

Abril 30, 2023

(...)

ela vem de terras frias e interiores, ainda se nota, tem nas palavras a mesma precisão com que a geada se deposita nas sombras: a mesma inteligência da neve, que escolhe sempre dias frios. não há nela muito mar, mas há muita terra molhada (ai o cheiro) e algumas montanhas – não muito altas, mas totalmente floridas (ai o cheiro). antes de cair, a neve passa-lhe pelos lábios e dá-lhes o fulgor necessário ao feitiço universal. dá-lhes a sedutora cintilação das estrelas.

o conjunto do corpo com o que recordo dele ainda é um incêndio. um dia trago-o para dentro de um poema, como se fosse luxuriosa palavra, pecaminoso anseio ou sonho de ternura.

(...)

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 3

Abril 26, 2023

recordo os caminhos.  recordo o cometa vertiginoso que um dia chocou com os meus lábios e, por lá, adormeceu. sei agora que, depois da matemática, todos os céus foram iguais. as estrelas apagavam-se e todos os céus ficavam iguais. nenhum vento, apenas algumas nuvens e, por vezes, um pouco de marulhar. recordo de como os meus braços se juntavam aos dela e, juntos, rodeavam e alimentavam o fogo. juntavam-se em uma luta secreta e caminhavam lado a lado nas descobertas.

invento-lhe o movimento da sombra, para simular a passagem de um tempo que parece parar quando lhe recordo a certeza dos lábios – fontes de frescura, gazelas e vento. é vermelha e provocante a sombra. é lento o movimento. flor seminua. há uma certa pureza e uma certa doçura, normalmente só encontradas em uvas e cerejas, mas que também lhe encontro no corpo – e no aromático vale do prazer –, que intimida os lírios e cristaliza o desejo.

ela é o pássaro que voa no meu quarto e arredonda as minhas noites.

a ave com voo azul. a única a cantar nas encostas de silêncio silvestre. a única dentro do branco.

um pássaro de lume, a arder-me nos ramos.

 

 

28

Abril 21, 2023

tal como esperado, a noite foi agitada. fiz da memória o meu abrigo. o resguardo dos meus desejos. estou sedento e bebo as manhãs que nascem com ela: na claridade do seu corpo despido, no azul mistério. mesmo quando durmo, faz amor com os caminhos tortuosos da minha mente, ama-me com um relâmpago sonhado no corpo, agora contorcido pelo orgasmo. sinto-lhe o latejo do sangue. neste lugar de névoa, acontece sempre o que nunca aconteceu. sinto-a e sei que existe a palavra certa, mas tenho apenas o infinito para ela e pode ser pouco: estou aterrorizado.

27

Abril 07, 2023

creio não haver nada de romântico ou esotérico em passar a gostar mais de alguém em situações de perigo. acredito mais que há causas químicas. em situações de perigo, libertam-se determinadas hormonas no nosso sangue e algumas delas aumentam o nosso estado de alerta, permitindo-nos ver coisas que não víamos antes. acredito que nesses momentos, ao mudar a nossa perceção, mudam as nossas experiências e, consequentemente, muda a nossa memória e o que sentimos. não raras vezes e da mesma maneira, embora não lhe demos muita importância, se passarmos uma situação limite perto de alguém de quem não gostamos, o nosso ódio por essa pessoa aumenta.

26

Abril 06, 2023

estes túneis são as entranhas da indiferença, são a linha de produção que vomita os componentes mais essenciais ao conformismo em que sobrevivemos. as paredes estão cheias de silêncio. absorvem a mudez das centenas de pessoas que aqui passam e expelem apenas agonizantes pedidos de ajuda. são como paredes de borracha, aprisionando almas cuja silhueta se pode notar nelas. no chão podem ver-se as marcas negras dos sonhos deixados cair por uma multidão una e transparente.

25

Abril 05, 2023

acho que vou fechar os olhos e tentar passar por ele quase sem ocupar espaço, como se estivesse a mergulhar no ínfimo lugar entre dois tacos. ele parece estar a morder a vida e deve ser amarga. é agora: vou prender a respiração e deixar de pensar.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 2

Abril 04, 2023

enquanto houver nela o mesmo fulgor entusiasta das flores em abril ou na pressa de março, enquanto a sua voz for um libidinoso contrabaixo a marcar-me o ritmo do bater do coração, o fogo não poderá ser apagado. já passou tanto tempo.
isto tem uma coisa boa, entre outras: o sol nunca desmaia: projeta-se sempre sobre ela, projeta-se sempre sobre o cabelo dela. o brilho no cabelo dela é eterno porque aqui o sol nunca desmaia.
olho para ela e imagino-me um reflexo nos seus olhos. como se estivesse também a olhar para mim. como se estivéssemos juntos e ela estivesse a olhar para mim. como se eu morasse nos seus olhos. olho-a como se estivesse nua. recordo o caminho de liberdade no seu corpo.

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