Compulsão - 16
Junho 09, 2025
depois de um jantar carregado de múltiplas e mútuas provocações, recolhi ao meu quarto, onde, mesmo de janela entreaberta, o calor me obrigou a preparar a reunião do dia seguinte em calças de pijama e tronco nu.
a minha concentração foi interrompida por um bater na porta que, admito, inicialmente, me causou alguma estranheza, pois, por um lado, não tinha pedido nada ao serviço de quartos e, por outro, eu estava em Itália! não conhecia ali ninguém! pensei que talvez fosse alguma emergência e apressei-me a abrir a porta:
- Dra. Sandra?
- Sandra, por favor. Boa noite, Bruno. Tentei rever a documentação para amanhã, mas o calor e uma inquietação inexplicável impediram-me de avançar. Pensei que, talvez, juntos, conseguíssemos ordenar ideias ou, pelo menos, trocar âncoras e afinar estratégias.
- Claro, Sandra. Entra. Vou só vestir uma t-shirt.
não consegui deixar de reparar que ela já tinha mudado de roupa e que estava absolutamente deliciosa. muito mais descontraída e absolutamente deliciosa. desta vez, estava com um vestido curto e justo, com riscas verticais de várias cores e com um corajoso decote em V. trazia uns sapatos com um ligeiro salto e quase da cor da pele.
parece ainda mais alta. não acredito que ela se tenha vestido assim para rever papelada!
virou a cara de lado e retorquiu baixinho:
- Se não quiseres vestir, ficas bem assim. Há uma certa elegância que não te abandona.
- Diga... diz.
- Nada de especial. Apenas pensava na reunião de amanhã. Falar inglês perante uma audiência ampla ainda me provoca um certo desconforto.
- Pelo menos duas pessoas por parceiro devem estar. Aqui de Itália devem estar mais. De qualquer maneira, nem parece teu. Relaxa. Vamos lá preparar bem o que vamos dizer.
ser eu que estava a tentar acalmá-la e não o contrário era uma novidade. normalmente é ela que se mostra bem mais calma que eu.
estive muito perto de me deitar com a minha solidão, mas agora via o bater do meu coração refletir-se nos olhos dela, era como se uma fogueira se tivesse acendido dentro de mim e fosse ela o lume. agora estava tão perto da mais luminosa alegria que conseguia sentir no sangue o fôlego de um leão:
- Senta aqui! – Sentei-me na beira da cama e bati várias vezes na colcha, indicando-lhe que se sentasse ao meu lado.
sentou-se colada a mim. do seu rosto libertava-se a chama que arde nas manhãs puras:
- A temperatura aqui é quase insuportável... É como se o calor tivesse corpo e decidisse deitar-se connosco. – Disse-me, muito lentamente, olhos agarrados aos meus e com os dedos de uma mão a deslizar com suavidade pelo vale que o decote deixava a descoberto. – O teu quarto também se rendeu ao capricho do aquecimento desgovernado? Também tens o aquecimento avariado?
- Sim, tenho. Mal consigo dormir. Aliás, estou com algumas tonturas e deve ser disso. – Respondi, mas sem conseguir disfarçar algum tremor na voz e que às palavras estava a arrancá-las sabe-se lá de onde. ainda há pouco estava eu a tentar acalmá-la, agora isto. que efeito tem esta mulher na minha fraqueza. está a olhar para mim com o mesmo fulgor e ternura com que o orvalho se deposita de manhã sobre a areia da praia. quero abraçá-la como iria querer um abraço em manhãs dessas.
um olhar mais atento sobre os papéis que tínhamos nas mãos, sem dúvida revelaria, a qualquer pessoa, o nervosismo de ambos. preparar e combinar o que diríamos no dia seguinte já não escondia o que realmente pensávamos e que era cada vez mais óbvio na nossa voz, nos nossos olhares e nos nossos gestos.