Compulsão - 6
Junho 01, 2025
um fulgor entusiasta surge-lhe entre os lábios sempre que sorri. essa recordação assaltou-me mal abri os olhos. até a ver, serei apenas uma onda, impaciente por se espraiar. serei apenas uma ave sedenta, irrequieta e nervosa, aos pulos na memória e na terra. até a ver, ela será o ardor dos incêndios no meu corpo. sempre que acordo, sou onda e ave que ardem secretamente.
acordei para o sonho. acordei para ver versos florirem. o sono fez-se de algum vento, mas ao meu redor: de novo ternura. passei a noite, mesmo quando ventava, com ela nos lábios – na boca – e na pele. o dia já se faz de calor. ela é o dia e a manhã ainda fresca. ela é o meu desconforme: a desproporcionada largura que as palavras me permitem.
tal como esperado, a noite foi agitada. fiz da memória o meu abrigo. o resguardo dos meus desejos. estou sedento e bebo as manhãs que nascem com ela: na claridade do seu corpo despido, no azul mistério. mesmo quando durmo, faz amor com os caminhos tortuosos da minha mente, ama-me com um relâmpago sonhado no corpo, agora contorcido pelo orgasmo. sinto-lhe o latejo do sangue. neste lugar de névoa, acontece sempre o que nunca aconteceu. sinto-a e sei que existe a palavra certa, mas tenho apenas o infinito para ela e pode ser pouco: estou aterrorizado.
entrei pela manhã como se fosse a manhã a entrar-me no corpo. antecipo o sol, o brilho secreto nos olhos e a ligeireza nos passos. nos meus, com cada um, experimento um novo, cada vez mais perto, fulgor de desejo.
ficar aqui, no fim da escada e no início da plataforma, permite-me, não só, contemplá-la enquanto desce, como, quase de certeza, ir na mesma carruagem.
vermelho. translúcido. é como fica o mundo quando ela está.
quando ela desce, a escada flutua sobre fogueiras, a abóboda do teto estreita-se e as paredes dobram-se como se estivessem a homenageá-la. cá em baixo, o único sol é o que lhe nasce nos pés e eu quero ter calor. vê-la descer é instruir-me muito no fogo.
estes túneis são as entranhas da indiferença, são a linha de produção que vomita os componentes mais essenciais ao conformismo em que sobrevivemos. as paredes estão cheias de silêncio. absorvem a mudez das centenas de pessoas que aqui passam e expelem apenas agonizantes pedidos de ajuda. são como paredes de borracha, aprisionando almas cuja silhueta se pode notar nelas. no chão podem ver-se as marcas negras dos sonhos deixados cair por uma multidão una e transparente.
desce, com o brilho do céu. os seus passos são alegres; leves; meio trapalhões; contagiam o resto do corpo para um discreto bailado. o vestido lilás, com uma racha jovial e de alças provocantes, ondula com vigor, como se dançasse ao ritmo de uma música diferente da escutada pelo corpo. a cada degrau, uma nova fogueira se acende e a ligá-las vão-se abrindo múltiplas fendas, sinuosas e amplamente ramificadas; leitos por onde correm rios de gelatinoso plasma azul. desce coroada de rosas e cabe toda nos meus olhos.
àquela hora, o metro vem muito cheio. forçámos a entrada, tal como eu previra, na mesma porta e lá dentro ficámos apertados e juntos, ela de costas para mim. tão juntos que fiquei excitado e tenho certeza que de tão juntos ela podia sentir o quanto. ao invés de se sentir incomodada, fazia disfarçados, mas decididos movimentos, alternando entre pressionar-me e aliviar-me o pénis. estávamos rodeados de desconhecidos e apenas isso impedia os gemidos de prazer que eu me forçava a engolir, substituindo-os por, cada vez mais sonhadores, fechares de olhos.
agarrei-lhe na cintura e puxei-a, ainda mais, contra o meu corpo. diluídos no meio de todas aquelas pessoas, entre nós nada mais cabia e as minhas mãos orientavam-lhe os movimentos do corpo, por forma a aumentar a minha excitação.
as minhas mãos cercaram-lhe o corpo, sempre forçando-o contra o meu, acariciando-a até se lhe alojarem no sexo. usando a racha do vestido, deslizei-as para dentro dele, senti-lhe o calor e o desejo. apertei-lhe o interior das coxas. viajei as mãos entre as pernas e o ventre e de volta às pernas, afagando com mãos seguras cada curva. explorei-lhe os pelos púbicos, a humidade e a boca do sexo. penetrei-a com dedos nervosos e movimentámo-nos, disfarçadamente, como se estivéssemos a fazer amor com extrema lentidão. estava ali, com uma mulher linda, formalmente desconhecida, mas há muito imensamente desejada e, talvez por estarmos no meio daquela gente toda, correndo o risco de sermos vistos, o meu pénis e a minha excitação cresceram para lá do que julgava possível.
totalmente louco, agarrei-lhe uma mão, com a ideia, quase obsessiva, de a trazer até mim e senti-la masturbar-me, mesmo que fosse por cima das calças. como que adivinhando o que eu queria, ela aproveitou eu estar a puxar-lhe uma mão para se voltar para mim e, com a outra mão, segurar-me entre as pernas, esfregar e comprimir o meu pénis. como é apenas um pouco mais baixa que eu, ao voltar-se, sendo o espaço entre nós quase inexistente, teve de levantar ligeiramente a cabeça para me olhar nos olhos. o gesto foi lento e aproximou extraordinariamente as nossas bocas. podia sentir-lhe a respiração e o calor excitante. era como se da boca lhe saíssem silhuetas de corpos despidos e entrelaçados. eu fiquei enfeitiçado pelos negros e radiantes caracóis, pela pele morena e pelos olhos claros. ela sorriu e disse-me lentamente:
- Olá! Sou a Maria. Jantamos um dia destes?
- Olá! Sou o Bruno. Claro que sim. Sábado?
- No fim de semana não posso. Hoje?
- Sim, pode ser.
- Dá-me o teu telemóvel!
adoro pessoas descomplicadas. no mundo em que vivemos, com as pessoas que nos rodeiam, é bom encontrar esta facilidade. atualmente, é tudo muito complicado. na era dos computadores, precisamos de um papel para tudo. dei-lhe o meu telemóvel e enquanto escrevia qualquer coisa, disse-me:
- Liga-me de tarde para combinarmos! Tens aqui o meu número, grava-o!