havia uma certa mistura de ousadia e submissão nos olhos da Maria. naquele momento, em pouco tempo, por algum motivo que eu desconhecia, os gestos dela abriram janelas por onde senti que as minhas trevas se iam dissipando. as expetativas, as suspeitas, foram todas superadas.

mas logo depois daquele instante de luz, houve sombras no meu corpo, um enjoo de mim mesmo apoderou-se do meu corpo. era como se, por trás de toda aquela entrega, houvesse um espelho – um espelho onde eu apenas via refletido o mesmo monstro de sempre.

a entrega dela doía. queimava. eu não me achava merecedor daquela dança – a minha história é feita de carne rasgada e memórias que me consomem.

tudo na Maria me puxava para cima, mas o que sou — o que verdadeiramente sou — não tem lugar ao sol. cada vez que ela me atravessava com aqueles olhos limpos, eu sentia vergonha de existir. a raiva vinha logo atrás da vergonha, como um cão atrás do dono. raiva dela por me ver, raiva de mim por não conseguir ser outro. quis sair dali e fugir, rasgar o momento com um gesto brusco, mas fiquei.

 fiquei e ficar exigiu mais força do que qualquer fuga. não porque fosse nobre, mas porque era inevitável. havia nela uma trégua silenciosa, um qualquer aroma que anestesiava a minha urgência de autodestruição. ficar era ser puxado para dentro de um buraco negro, onde a solidão se disfarçava de desejo e a culpa se vestia de esperança. fiquei, não por coragem, mas porque alguma coisa em mim — talvez das únicas que ainda não morreram — quis ver até onde iria aquela luz. quis caminhar com ela, mesmo com a certeza que me estava a enterrar mais fundo em algo que, mais tarde ou mais cedo, me iria destruir.

e se o que sinto por ela for apenas uma projeção da minha própria solidão – não encanto, mas vontade de não estar sozinho?

* TALVEZ FALTE AQUI QQ COISA *

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