D.
Junho 06, 2025
Esta noite sonhei com D.
Ou talvez tenha sido com o reflexo dela numa poça de luar. Não sei. Num sonho, nada é fixo. Nem os corpos. Nem os nomes.
Estávamos num jardim submerso, algas flutuando em câmara lenta entre as cerejeiras. Ela descia por uma escada de caracóis de vidro, envolta num vestido feito de vapor e promessa. Os meus olhos ou talvez as minhas mãos — no sonho eram a mesma coisa — tocavam-lhe o contorno como quem lê em braille uma carta proibida.
Falava-me com a pele. Cada palavra era um arrepio e cada silêncio um gesto.
Beijou-me o pensamento primeiro. Depois, devagar, os ombros — que se desmanchavam em areia dourada ao toque dos seus lábios.
A certa altura, D. tirou os olhos e pousou-os nas minhas mãos. Disse: “Vê-me por dentro.” Quando olhei, era um campo de trigo ondulando com as minhas vontades.
Fizemos amor no cimo de uma árvore invertida, cujas raízes davam frutos de mel e memória. Ela era líquida, volúvel, selvagem — e eu, barro, barco, incêndio.
Depois, como num sopro, desapareceu.
Ficou só o perfume do seu nome a rodar em espirais lentas dentro da minha boca. Acordei com o corpo salgado e os lençóis cheiravam a algas e vinho quente.
E mesmo agora, escrevendo isto, não sei se a sonhei ou se D. habita um lugar onde o real se curva — só um pouco — para nos deixar entrar.