ESPLANADA DE MEMÓRIA - 8
Maio 26, 2023
a urgência era o elevador ou a escada: a única luz era a dela. talvez por isso a brandura plana na nossa pele e a improvável manta solar que nos protegia e motivava. ela era uma ave incandescente e os meus lábios pena inflamável. estávamos como árvores, no espelho refletia-se o mundo inteiro e ouvia-se nele o prazer – reflexo de uma espécie de eco teimoso: um tremor ou os olhos fechados e o rosto de quem caminha sobre o lume. havia-lhe um qualquer feitiço onde eu deslizava para um lugar de sereno fogo. aqueles candentes locais abrigavam as formas irreverentes da juventude, fortificavam o segredo e estimulavam o prazer do risco. o repetido e seguro interesse nos meus lábios, alongava o verão e guiava as minhas ávidas mãos por irregulares bosques até ao centro do mundo.
por vezes, em agradável voo, um lírio azul passava por nós. ai o cheiro. as pérolas. no espelho e nas minhas mãos. o ventre era-lhe a superfície do mar calmo. os meus dedos espalhavam-se longos nela; navios desgovernados e carregados de desejo. navegavam-lhe pelo corpo até encontrarem um abrigo e lançarem âncora, até o tronco arquear e os trovões se ouvirem. até encontrarem o arrepio. depois, os gestos dela eram azuis, como os lírios voadores, como canções de amor.
o seu rosto, com olhos escuros e curvas insinuantes, prometia mais que prazer e as escadas recebiam-nos com poemas e arriscado silêncio. no entanto, sequiosas melodias logo as transformavam em pontes romanas com o ritmado marchar de treinadas legiões a marcar-nos o compasso aos gestos. era o tempo apressado da coragem sem limites. era o tempo mais impetuoso. no corpo nu, depois do lento rumor, erguia-se um grito silente: farol e fogueira. erguiam-se sílabas e sílabas, até serem verso. erguiam-se múltiplas línguas.