janeiro 2003
Janeiro 01, 2003
vida toupeira, desperdício genético,
na cegueira colectiva faço apenas o que me obrigam
tão pouco é o ar que respiramos
catacumbas espirais, túneis em chamas
que não chegam nem levam a parte alguma do céu
tão pouco é o ar que respiramos
estou no lado errado da lua,
numa sala fechada pela orgulhosa ignorância
de um gorila que navega à deriva
protegendo-se das tempestades de merda
que ele próprio inventa
com a máscara do conforto
tão pouco é o ar que respiramos
pouco interessa
tão pouco é o ar que respiramos
nada que me interesse
estou rodeado de orgulhosos poços de saber,
profundos abismos oceânicos povoados de conhecimento,
formas de vida desprovidas de vazio, tudo as preenche
na totalidade e,
imagine-se,
basta-lhes uma moeda
para responderem a todas as necessidades alheias
até eu, cápsula de cianeto, posso mergulhar
e afogar-me nesse mar de erudição sem perigar
qualquer outra espécie viva ou já morta
mas faço apenas o que me obrigam
no último sopro da toupeira
mascarada pelo conforto
que escasso
é o ar que respiro nestes túneis
11-1
um banco de jardim
não é mais que um banco de jardim
mas existe a madeira de que é feito
assim como existe a lua, o sol e a Ria de Aveiro
o mundo fora da gaveta
onde escondemos as crónicas de sempre
19-1
sempre sonhei
não escrever este poema
mas
há uma faca e um vaso vazio de mim no lugar que reservava aos livros
cansei-me
das palavras e
d os espaços
preenchidos
por ti
acabaram
os poemas de amor
se os houve
acabaram os poemas
do erotismo
que
inventávamos
existir
nos bancos de jardim
onde nascemos gravei a nossa morte em letras fundas
e nada mais.
por todo o mundo
existem as praias
e as ondas
que as alimentam,
porque o mar,
outrora mudo,
precisou de inventar
as mais belas metáforas
para dizer que te ama
por todo o mundo
existem os poetas
e as palavras
que alimentam,
porque o homem,
outrora mudo,
precisou de inventar
as mais belas metáforas
para dizer que te ama
por todo o mundo
existes tu
e os sonhos
que alimentas,
porque deus,
vendo-me mudo,
precisou de inventar
uma forma secreta
de fazer-me sonhar.
17-1