P. - III
Fevereiro 06, 2018
reencontrar a P., ao fim de tanto tempo, foi como se a primeira gota de água do mar falasse e me explicasse a dança das flores. foi um relâmpago que atravessou as sombras e que, com luz, abriu portas que julgava trancadas e seladas. tinha prometido a mim próprio que não voltaria a abri-las, mas muito rapidamente ela as destrancou e, como que por magia, me transportou para o interior.
lá dentro, as imagens eram nítidas, mas antes de entrar tudo era sombra. tinha o corpo enrolado e estava preso numa apertada jaula de vidro. o ar não entrava. estava despido e não respirava. era como um polvo sem braços. assustado como uivos. o sangue pesava de angústia. tinha frio. tinha medo.
mesmo ao longe: feridas. as veias e artérias eram um confuso labirinto de sombras. uma vermelha canção de lágrimas pelo que podia ter sido ou então escuridão: tatuagens da noite. estava cansado de sentir a transparência frívola das ondas a tombarem sobre o meu cérebro como balas de água.
a solidão é asfixiar a cada instante. não ter a claridade das palavras. música instrumental. são pálpebras cansadas. é o constante perder de batalhas antes que comecem. é estar sempre do lado errado das portas.
apesar de tudo, a solidão já não é nova: já vem do tempo em que eu chorava e os fantasmas verdes voavam no meu corpo. só que antes eu fugia e escondia-me atrás das paredes e hoje já não há paredes suficientemente altas para ocultar o meu cansaço.
nunca mais.
perdido o passado num sonho que não sonhei: resta a voz e a magia. talvez reste um espaço para eu morar: um teto que me permita voar e me proteja do frio; que me proteja das tempestades e que impeça o vento.