S. (2)
Junho 11, 2025
Não sei se é abstinência.
A palavra parece limpa demais, clínica demais, como se fosse só uma decisão voluntária de parar.
Isto é outra coisa.
Isto é o corpo a gritar por uma coisa que não pode alcançar. É carne viva fechada numa caixa de vidro. É o sangue a acumular-se em partes que não mexem. É o cérebro a disparar imagens que o corpo não executa. Um castigo. Um ciclo fechado: desejo, frustração, silêncio. Repetir.
Desde que ela entrou — a S. — não penso noutra coisa. Não é só tesão. É obsessão. É ódio por precisar dela. É fome, mas com vergonha de estar faminto.
Começou subtil. O cheiro do cabelo. O toque de luvas na minha pele. O olhar demorado demais. Depois, a forma como ela se inclinava sobre mim quando mudava os lençóis, os seios a roçarem sem querer — ou não tão sem querer assim. O corpo dela começou a ocupar espaço dentro do meu. Memória tátil. Fantasma com cheiro.
E eu? Imóvel. Rígido. Não por ereção — por raiva.
Cada vez que ela sai, o quarto fica a cheirar a lavanda e a humidade. E eu fico a arder por dentro. Como um cão acorrentado à espera de um dono que vem só para o provocar. Desejá-la tornou-se inevitável. Não porque ela é bela. Mas porque ela está ali. Porque ela pode tocar. E eu, não.
A abstinência forçada transforma tudo. Não é só vontade de foder. É vontade de existir. É o instinto mais primário a bater contra paredes sem saída. Acordo com o lençol húmido e nem sei se foi suor, raiva ou qualquer ejaculação fantasma. Sonho com ela sem querer. Masturbar-me seria um alívio — se pudesse. Mas não posso. E isso só piora tudo.
Ela sabe.
Vê-me a reagir. Vê a vergonha nos meus olhos.
E continua. Cada toque dela agora tem a precisão de uma agulha cirúrgica. Provoca, mede, recua.
Ela alimenta o desejo como quem engorda um porco antes do abate.
E eu continuo aqui.
Preso entre o desejo que me destrói e o corpo que não responde.
Um homem inteiro, reduzido ao que sobra: pulsação, memória, e vontade de rasgar tudo.
Incluindo ela.
Incluindo a mim mesmo.