Solidão
Janeiro 07, 2021
a maior crueldade é quando me acordas, arrepiado de medo, acariciando-me o corpo com unhas afiadas. é de noite, quando me sufocas e obrigas a iluminar o quarto para confirmar que continuas a única presença. é quando me segues pela casa e engoles o som dos meus passos, do ranger das portas e dos interruptores que acendo e apago à minha passagem. o teu silêncio. a maior crueldade é o teu silêncio. manténs-te secreta, caminhas num total mutismo e, como a sombra, a tua aparição é sempre silente, sempre taciturna. a tua aparição, o teu espectro e o teu silêncio. torturantes e sanguinários. sentir-te roubar o som de todas as vozes, é odiar todas as palavras que te definem. saber que afogas o murmúrio de um beijo e, como a noite, o cantar de todos os pássaros, é odiar todas as palavras que te definem. ou talvez o teu peso. talvez a maior crueldade seja o teu peso e a forma como esmagas o meu corpo. a forma como reduzes as dimensões do meu corpo. o meu crânio a poucos centímetros dos meus pés. por causa do teu peso, o meu crânio sobre os meus pés. o teu peso é cruel. sanguinolento. mesmo quando sangrenta, nem a morte é tão tirana.