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Red Tales

(...) cá estou eu, por aqui, a fingir que sou eu que por aqui estou (...)

Red Tales

>> Cuidemos de Todos Cuidando de Nós <<

 

Alguns dos textos aqui contidos são de cariz sexual e só devem ser lidos por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor SAIA agora.

#51

Junho 13, 2025

Confesso que estou totalmente obcecado com a perceção que a passagem do tempo me dá.
Pela experiência que tenho da minha vida pré AVC, tirando situações limite de grande alegria ou grande tristeza, essa passagem é supostamente linear.
Atualmente, não é isso que acontece. Aleatoriamente, há momentos que parecem eternidades e eternidades que são apenas instantes.
No meio disto tudo, a pergunta impõe-se: será que o tempo sempre foi assim e só agora o estou a ver de frente? Antes do AVC, talvez eu estivesse tão ocupado a viver dentro do tempo, que nunca me ocorreu observar a forma como ele me atravessava.
Agora, sinto que estou mais fora dele, como se assistisse a uma peça em que antes era ator e agora sou apenas espectador, mesmo que por vezes, sem querer, ainda entre em cena.

#50

Junho 12, 2025

Ainda sobre a passagem do tempo...

A ideia que eu tenho de antes do AVC é que o tempo parece passar muito devagar nas situações mais complicadas. Tipo, quando foi o apagão, o dia não pareceu mais longo?

Por essa ordem de ideias, todos os meus dias deviam ser incrivelmente longos.

Mas não.

Pelos vistos eu gosto de estar tetraplégico:

devo gostar de acordar e não conseguir coçar o olho,
de olhar para o teto e saber que ele é o meu único céu possível naquele dia.
Gosto de ouvir conversas sobre mim como se eu não estivesse ali.
De ver o tempo correr lá fora — correr, que palavra engraçada —
enquanto aqui dentro ele se dissolve como sal em água parada.

Se calhar eu gosto de ser este corpo quieto,
esta ausência de gesto.
Gosto da paciência dos outros, que às vezes é impaciência disfarçada.
Gosto de ser o silêncio onde antes havia ruído.
Gosto de medir o tempo não em horas, mas em "ainda não".

Ou talvez não goste.
Talvez só não tenha escolha.
Talvez o tempo tenha deixado de passar devagar
porque já não há pressa de chegar a lugar nenhum.

#48

Junho 11, 2025

Vou começar por dizer que depois de morrer já publiquei quatro livros, já adaptei e realizei vários sítios da internet e estou agora a dinamizar este. Não é vaidade, mas orgulho.

Penso que justificado orgulho.

Eu explico.

Em 2006 tive um AVC grave e, segundo os clínicos, mesmo que sobrevivesse ficaria um vegetal. Estamos em 2025, fiquei tetraplégico e pouco falo, mas não fiquei um vegetal (expressão horrorosa) e, como se pode ver, não morri. Se eu consegui…

Estaria a mentir se dissesse que tem sido fácil – não tem. Sobreviver implica muita luta.

Minha e de todos que me rodeiam.

Se alguma coisa aprendi foi que fui eu que tive o AVC, mas que houve muita gente que adoeceu naquele momento.

Uma das coisas que a mim me auxilia é ter sempre alguém que me ajuda nos momentos mais difíceis.

Ter sempre quem não me deixa desistir.

Claro que o ator principal sou eu, mas há atores secundários que são fundamentais. O que seria dos filmes sem os atores secundários?

Quando o rito vira renascimento

Maio 21, 2025

A escrita vai-me refazendo.
Não me cura — mas redesenha-me.

Já não sou o que era antes da paralisia.
Mas também não sou só limite.

Sou o que transborda pelas frestas.
Sou o que resiste mesmo imóvel.
Sou verbo encarnado.

E sigo.
Entre o grito e a dança, entre o rito e a fome.
Sigo.

PS: o estilo revela a fase.

internamento - a relva na boca

Fevereiro 24, 2023

(continuação daqui)

uma das coisas que quero contar, para ser honesto, não recordo muito bem. no entanto, não posso, mesmo que com imprecisões, deixar de contar isto.

como talvez imaginem, nos primeiros tempos de internamento, com o coma e tal, não ingeria nada pela boca. quando acordei do coma, durante algum tempo, continuei a não ser alimentado nem medicado pela boca, mas ao fim de algum tempo a medicação já me era administrada pela boca, depois faço uma publicação a explicar porque é que não me davam medicação pela boca. 

a falta de conveniente atividade da minha boca, os efeitos que alguma medicação tinham nela, os efeitos das secreções e, digo eu, alguma negligência do corpo clínico - as pessoas que me eram próximas e me acompanhavam, nunca imaginaram que isto fosse possível -, permitiram a criação de uma camada fúngica sobre a minha língua, verde e muito semelhante a relva. eu ter tendência a cerrar os dentes também não ajudou a que essa situação fosse detetada antes de chegar àquele ponto. no entanto, insisto, o corpo clínico tinha obrigação de saber que isto podia acontecer e tomar todas as medidas preventivas que fossem necessárias. ou terei sido o primeiro a montar uma estufa na própria boca? se calhar inventei a solução para a futura falta de alimentos.

(continua, eventualmente)

AVC

Fevereiro 23, 2023

tenho falado no coma, no internamento e no que se foi passando no hospital, mas ainda não falei no que lá me levou. chamo-me lfdsa, nasci em 19xx e até 2006 tive o que se pode chamar de “vida normal”. bem, na realidade, não foi muito normal, mas já lá vamos. primeiro quero contar o que me aconteceu em 2006. em agosto de 2006. segundo dizem. tal como de muito do que aconteceu desde então, não tenho qualquer recordação desse dia. só me lembro do que me contam e isso não são memórias. ao contrário das memórias, nada me obriga a acreditar nestas histórias. mesmo das recordações há que desconfiar. posso ser maluco e fabricá-las todas (que ninguém me ouça a dizer isto).
voltando um pouco atrás, até 2006, tive um AVC grave e fiquei tetraplégico. alguns consideram um milagre eu ter sobrevivido. eu considero apenas sorte. “apenas”.
tudo começou de madrugada. acordei indisposto e com uma forte dormência do lado direito. sintomas que desconhecia e cuja celeridade com que passaram ajudaram a ignorar. nem acordei a acrs. de manhã, como era relativamente usual eu ir trabalhar um pouco mais tarde, nem eu nem ela demos qualquer importância ao facto de eu dizer que o faria.
dessa hora até a acrs vir almoçar sabe-se apenas que telefonei ao INEM, que ainda disse o nome da rua, mas que já não disse o número da porta. resultado: seis horas apagado e sem qualquer assistência. os médicos dizem que, no meu caso, não, mas eu estou convencido que todo esse tempo agravou as sequelas da sulipampa. Quando a acrs chegou eu estava caído no chão, desmaiado e a sangrar (bati com a cabeça ao cair). deve ter sido uma experiência horrível para ela. a acrs diz que ainda hoje sente o cheiro a sangue. ainda segundo ela, os breves segundos que decorreram entre o abrir da porta, chegar até mim, abraçar-me e ver que eu estava vivo, pareceram-lhe uma eternidade vivida muito lentamente. foi ela que, sem nunca me largar, telefonou ao INEM para me ajudarem.
ao chegar, a equipa da emergência médica, mandou a acrs para outra divisão para ela “não atrapalhar”. eu acho que foi para não me ver morrer. fizeram um bom trabalho e, como é óbvio, mantiveram-me vivo. duvido que se tivesse morrido estivesse a escrever este texto.
dei entrada no hospital já em coma e quase morto. as primeiras horas foram absolutamente sufocantes para quem me acompanhou. as pessoas que mais me amavam não sabiam sequer se eu estava vivo. quando finalmente deram informações minhas, mais valia terem ficado calados:
- O indivíduo não deve sobreviver a esta noite.
indivíduo? não basta dizerem que vou morrer ainda me chamam indivíduo? quase vomitei quando soube isto. eu sei que a prioridade ali é salvar vidas, mas é assim tão complicado juntar a isso um bocadinho de sensibilidade? será que nas faculdades ensinam que a estupidez é a melhor defesa e que os mais sensíveis chumbam? para além de se ter enganado.
depois desta pérola perguntou quem me queria ver. a acrs antecipou-se a todas as pessoas e disse logo que ia ela. apesar de todos os avisos do médico, ela contou-me que, naquele momento, ver-me foi um misto de alegria e choque. por um lado, eu estava vivo, por outro, nem em séries tinha visto alguém com tantos fios e tubos. 

internamento - aspiração

Fevereiro 23, 2023

 

(continuação daqui)

ATENÇÃO: esta publicação pode conter alguma imprecisão, mas tentei aproximar-me o mais que consegui.

 

 

com o uso da traqueostomia o paciente deixa de respirar pelo nariz e boca e passa a respirar pelo orifício da TQT. no entanto, com a pneumonia e consequente oceano de secreções que se formava, não só o orifício da TQT ficava obstruído, como os brônquios ficavam muito congestionados. a conjunção dessas duas coisas dificultava muito a minha respiração, o que fazia disparar os alarmes de falta de oxigénio. quando as máquinas tinham leituras de oxigénio abaixo de um determinado valor eu era aspirado.

a aspiração consistia em enfiarem-me um tubo pelo orifício da TQT e fazerem com ele o percurso da traqueia até aos brônquios. ligavam a extremidade do tubo fora do corpo a uma maquineta e, literalmente, aspiravam-me os brônquios do excesso de secreções. o procedimento era tão doloroso que, apesar de estar tetraplégico, o meu corpo esticava-se e saltava na cama.

tinha pensado em descrever o procedimento completo e o seu resultado, mas estou agora a pensar melhor e acho que vos vou poupar à nojeira.

(continua, eventualmente)

internamento - traqueostomia

Fevereiro 22, 2023

traqueostomia2.jpg

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(continuação daqui)

não sei se repararam, mas mudei o título destas publicações, apesar de não me lembrar de muita coisa do internamento, do coma recordo ainda menos. do internamento acho que consigo contar mais umas coisas. até porque baralho no tempo algumas delas e não sei ao certo se aconteceram durante ou depois do coma. antes não podem ter sido que já fui internado em coma. em uma escala de zero a cinco, sendo o zero morto e o cinco perfeitamente consciente, fui avaliado como estando no um.

porque foi marcante, quero voltar atrás e tentar descrever um procedimento pelo qual passei várias vezes: a maldita aspiração. quando dei entrada no hospital, uma das coisas que me fizeram foi uma traqueostomia para me ajudar a respirar. esse procedimento salvou-me a vida e quase que me matou.

a traqueostomia, por muito que o ambiente em que é feita seja controlado, não deixa de ser uma porta para o interior do corpo. pensa-se que, através dela, duas bactérias diferentes tenham entrado e provocado uma pneumonia. graças a essa infeção tive febres altíssimas e muitas secreções, que me impediam de respirar normalmente e as quais não conseguia expelir. resultado: aspiração.

 

ps e errata: não estive quatro meses em coma. estive quatro meses internado e sensivelmente dois em coma.

 

(continua, eventualmente)

coma 2

Fevereiro 22, 2023

(continuação daqui)

 

também suscita sempre curiosidade saber se durante o coma os pacientes têm consciência do que se passa ao seu redor, nomeadamente se ouvem. não sei o que diz a ciência a esse respeito, mas posso garantir que, no meu caso, sim. lembro-me perfeitamente da voz do Kurt Cobain a falar comigo e do barulhão que fazia o meu antigo sogro a jogar à bola contra o portão de uma garagem debaixo do meu quarto.

fora de brincadeiras, no meu caso, a resposta é mesmo sim. ainda ecoam os acordes da música que me punham nos auscultadores do leitor de mp3 e, apesar de já não recordar quais, lembro-me bem de terem enchido o meu quarto de fotografias.

 

(continua, eventualmente)

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