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Red Tales

(...) cá estou eu, por aqui, a fingir que sou eu que por aqui estou (...)

Red Tales

>> Cuidemos de Todos Cuidando de Nós <<

 

Alguns dos textos aqui contidos são de cariz sexual e só devem ser lidos por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor SAIA agora.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 11

Julho 14, 2023

naquela altura, de noite e acompanhados de um pequeno – mas unido e intenso – grupo de amigos, usávamos um escuro e acidentado caminho no meio do mato para chegarmos a alguns blocos de betão, na margem sul do Tejo e mesmo por baixo da ponte 25 de Abril, blocos que provavelmente teriam sobrado da construção da ponte. o caminho iniciava-se a um nível superior ao das portagens, junto a uma pequena igreja, iluminada nos meses de junho e julho e, nesses meses, visível de noite da A2. para acedermos ao caminho tínhamos primeiro de saltar um pequeno muro na frente da igreja. só depois, já no meio mato, o trilho descia até ao nível do rio. para quem conhece, atravessa a colina onde, na margem sul, a ponte se sustenta. era um caminho tão negro e fantasmagórico que a cada cuidadoso passo nosso uma árvore parecia inclinar-se, abraçar-nos (agarrar-nos) e sussurrar-nos para termos cuidado. lembro bem do grito e imobilidade de um de nós quando um caule se lhe enrolou na canela e ele pensou que fosse uma cobra.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 10

Junho 09, 2023

certa vez, depois de uma intensa disputa dos corpos, fiquei em total apatia, enquanto lhe contemplava o brilho do rosto. subitamente, despertei dessa letargia e disse-lhe:

- Por vezes, assustas-me!

- O quê? Como assim? – Perguntou, admirada.

- Tanto fulgor no teu sorriso, tanta claridade na tua pele. Chego a duvidar que sejas humana. A cor que agora te cerca parece fazer-te flutuar e salienta a alegria na tua silhueta. Confessa: não és deste planeta, pois não?

- Qual cor, parvinho?

- O amarelo do pólen que libertas!

ambos sorrimos, repousei com suavidade os meus dedos nos seus lábios e deixei que a minha boca caísse lentamente sobre a dela. rapidamente a lentidão se transformou em tempestade e de novo os nossos corpos se entregaram a uma composição de luta e ternura, no entanto silente. um silêncio tão limpo que nele se misturavam o rumor longínquo das ondas e o aroma vibrante a sal. olhando para sul, a subtileza das colunas, enquadrava uma cidade onde todas as ruas eram rio nervoso, onde todas as casas estavam pintadas de vermelho, casas cujas portas se abriam e nunca me negavam refúgio.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 9

Junho 02, 2023

as mãos desciam à fonte e ouviam, em êxtase, o marulhar profundo da terra onde estavam. o som, aquático, era, nos meus dedos, o macio e transparente aconchego do prazer. o corpo dela arqueava e chicoteava. serpenteava, ávido, sobre o meu. dançava ao ritmo dos gemidos que o vento produzia ao atravessar as ranhuras da, ainda distante, porta mal fechada. pensando bem, talvez não fosse o vento que gemia. certas, eram a imobilidade e a ternura no fim da batalha. certo, era o sol a nascer uns degraus acima de nós, a caminhar lento na nossa direção e a eliminar-nos gradualmente as sombras. eram as palavras que lhe apareciam no corpo seminu e eram os poemas que com elas os meus lábios compunham sobre os despojos.

no mármore, cresciam fileiras de pequenas flores amarelas. libertavam, abundante e também amarelo, pólen que se acumulava junto a ela e, como se uma caneta fluorescente lhe realçasse as linhas mais sensuais, destacava-lhe a, já normalmente, cintilante e feérica silhueta.

pensava que éramos discretos, mas era impossível esconder de quem nos conhecia a cumplicidade dos olhares e uma vez um amigo perguntou-me se eu tinha algo mais que amizade com ela. claro que neguei, mas desconfio que a respiração descompassada e o sorriso, inevitável e ligeiramente malicioso, ter-me-ão denunciado. não sei porque o fazíamos, mas o secretismo tornava tudo ainda mais excitante. embora eu hoje ache que toda a gente sabia – incluindo amigos e adultos, incluindo os nossos pais -, na altura, o imaginado secretismo de um beijo era como a nudez de dois amantes.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 8

Maio 26, 2023

a urgência era o elevador ou a escada: a única luz era a dela. talvez por isso a brandura plana na nossa pele e a improvável manta solar que nos protegia e motivava. ela era uma ave incandescente e os meus lábios pena inflamável. estávamos como árvores, no espelho refletia-se o mundo inteiro e ouvia-se nele o prazer – reflexo de uma espécie de eco teimoso: um tremor ou os olhos fechados e o rosto de quem caminha sobre o lume. havia-lhe um qualquer feitiço onde eu deslizava para um lugar de sereno fogo. aqueles candentes locais abrigavam as formas irreverentes da juventude, fortificavam o segredo e estimulavam o prazer do risco. o repetido e seguro interesse nos meus lábios, alongava o verão e guiava as minhas ávidas mãos por irregulares bosques até ao centro do mundo.
por vezes, em agradável voo, um lírio azul passava por nós. ai o cheiro. as pérolas. no espelho e nas minhas mãos. o ventre era-lhe a superfície do mar calmo. os meus dedos espalhavam-se longos nela; navios desgovernados e carregados de desejo. navegavam-lhe pelo corpo até encontrarem um abrigo e lançarem âncora, até o tronco arquear e os trovões se ouvirem. até encontrarem o arrepio. depois, os gestos dela eram azuis, como os lírios voadores, como canções de amor.
o seu rosto, com olhos escuros e curvas insinuantes, prometia mais que prazer e as escadas recebiam-nos com poemas e arriscado silêncio. no entanto, sequiosas melodias logo as transformavam em pontes romanas com o ritmado marchar de treinadas legiões a marcar-nos o compasso aos gestos. era o tempo apressado da coragem sem limites. era o tempo mais impetuoso. no corpo nu, depois do lento rumor, erguia-se um grito silente: farol e fogueira. erguiam-se sílabas e sílabas, até serem verso. erguiam-se múltiplas línguas.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 7

Maio 13, 2023

sentávamo-nos na beira da cama e, separados apenas pela espessura do olhar, com a ternura inclinada sobre nós, cada função era uma luminosa floração de desejo. todos os limites tendiam para a união dos lábios. as derivadas resultavam sempre em tangentes dos corpos e integrávamos sempre um sorriso cada vez que cedíamos ao calor. a matemática era breve e as mãos eram longas. ainda no início, por vezes, os nossos joelhos tocavam-se e, todos os dias como se o primeiro, como se entre eles houvesse uma tempestuosa energia, como se um orgasmo do mar me atingisse, a ondulação ou um arrepio forçava-me a subir ao topo de uma colina, a libertar um gemido silencioso e a arquear disfarçadamente as costas.

tão leves e audazes quanto pensamentos, as minhas mãos caminhavam-lhe então. sem descanso. à sombra de montanhas e primaveras, por grutas e mistérios, chegavam ao topo: acendiam fogueiras. incessantes, voltavam a descer e refugiavam-se em macios abrigos ocultos. eram como predadores famintos e selvagens em uma savana de presas – sem saberem muito bem qual atacar. era um caminho onde não havia pedras. um espaço liso e sem obstáculos à viagem dos sentidos.

o corpo cálido dela era agora uma ilha branca rodeada pelo secreto desejo. no papel, já não havia gráficos de funções. era ela que desenhava o gráfico de funções logarítmicas com as pernas entrelaçadas na minha cintura e havia latidos de cachorros azuis que se lhe repetiam na boca como um impercetível gemido – rumor do prazer – ou como flores a morder a luz e a marcá-la com meias-luas. as pérolas ardiam-me nas mãos e na saliva – eram o lugar mais perto das chamas.

 

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 6

Maio 11, 2023

os lábios dela conseguem lançar as sementes que fazem o trigo nascer dourado – e crescer eternamente. é o seu nome que me veste de alegria quando os dias são de sombra. recordo-lhe a voz permanente:

as palavras continuam

flutuam-lhe entre os lábios

como um desfile de sol apresentado por Deus

considere-se também o corpo: como um anzol a ferir as mãos ou a brilhar e destacar-se em água cinzenta. recordo-lhe a urgência. era um caminho sem fim para a volúpia. apesar de jovem, já tinha a maturidade das estrelas. tal como hoje, era a dança das serpentes.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 5

Maio 02, 2023

a ave com voo azul. a única a cantar nas encostas de silêncio silvestre. a única dentro do branco. ela, azul, como se pássaro de lume, a arder-me: ora nos olhos, ora no sangue.
éramos a pressa da adolescência e sobre nós havia sempre um calor silencioso. havia sempre um mistério a enaltecer-lhe a impiedade do corpo. era-lhe sempre verão nos lábios e no seu quarto soprava um aroma frutado que se concentrava nas mãos, que me separava o sangue da carne e me aumentava a temperatura da pele como se o próprio sol me morasse nas veias. as equações eram sempre uma desculpa e todas as sílabas eram breves, um veloz murmúrio de antecipação. entre cada xis ao quadrado a boca dela procurava uma fogueira ou então era uma fogueira e eu detinha-me no sabor róseo entre aristocráticas derivadas.
os lábios dela conseguem lançar as sementes que fazem o trigo nascer dourado – e crescer eternamente. é o seu nome que me veste de alegria quando os dias são de sombra.

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 4

Abril 30, 2023

(...)

ela vem de terras frias e interiores, ainda se nota, tem nas palavras a mesma precisão com que a geada se deposita nas sombras: a mesma inteligência da neve, que escolhe sempre dias frios. não há nela muito mar, mas há muita terra molhada (ai o cheiro) e algumas montanhas – não muito altas, mas totalmente floridas (ai o cheiro). antes de cair, a neve passa-lhe pelos lábios e dá-lhes o fulgor necessário ao feitiço universal. dá-lhes a sedutora cintilação das estrelas.

o conjunto do corpo com o que recordo dele ainda é um incêndio. um dia trago-o para dentro de um poema, como se fosse luxuriosa palavra, pecaminoso anseio ou sonho de ternura.

(...)

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 3

Abril 26, 2023

recordo os caminhos.  recordo o cometa vertiginoso que um dia chocou com os meus lábios e, por lá, adormeceu. sei agora que, depois da matemática, todos os céus foram iguais. as estrelas apagavam-se e todos os céus ficavam iguais. nenhum vento, apenas algumas nuvens e, por vezes, um pouco de marulhar. recordo de como os meus braços se juntavam aos dela e, juntos, rodeavam e alimentavam o fogo. juntavam-se em uma luta secreta e caminhavam lado a lado nas descobertas.

invento-lhe o movimento da sombra, para simular a passagem de um tempo que parece parar quando lhe recordo a certeza dos lábios – fontes de frescura, gazelas e vento. é vermelha e provocante a sombra. é lento o movimento. flor seminua. há uma certa pureza e uma certa doçura, normalmente só encontradas em uvas e cerejas, mas que também lhe encontro no corpo – e no aromático vale do prazer –, que intimida os lírios e cristaliza o desejo.

ela é o pássaro que voa no meu quarto e arredonda as minhas noites.

a ave com voo azul. a única a cantar nas encostas de silêncio silvestre. a única dentro do branco.

um pássaro de lume, a arder-me nos ramos.

 

 

ESPLANADA DE MEMÓRIA - 2

Abril 04, 2023

enquanto houver nela o mesmo fulgor entusiasta das flores em abril ou na pressa de março, enquanto a sua voz for um libidinoso contrabaixo a marcar-me o ritmo do bater do coração, o fogo não poderá ser apagado. já passou tanto tempo.
isto tem uma coisa boa, entre outras: o sol nunca desmaia: projeta-se sempre sobre ela, projeta-se sempre sobre o cabelo dela. o brilho no cabelo dela é eterno porque aqui o sol nunca desmaia.
olho para ela e imagino-me um reflexo nos seus olhos. como se estivesse também a olhar para mim. como se estivéssemos juntos e ela estivesse a olhar para mim. como se eu morasse nos seus olhos. olho-a como se estivesse nua. recordo o caminho de liberdade no seu corpo.

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