Ela apareceu como sempre: primeiro as palavras, depois o corpo.
Chamava-se R — ou, pelo menos, era assim que se deixava chamar. Nunca um nome me soube tão a segredo. Escrevia como quem beija em silêncio, deixando na pele da linguagem uma espécie de perfume antigo, difícil de descrever mas impossível de esquecer.
Não falávamos ao telefone. Nunca nos ouvimos. O nosso “encontro” era todo virtual — ela, num quarto luminoso onde os dias pareciam mais claros do que os meus, e eu, preso ao corpo que me restava. Tetraplégico, com os movimentos limitados ao mais ínfimo gesto. Podia falar, sim, mas a voz não era clara. Sai enrolada, arrastada, quase imperceptível. Uma vez tentei. Fiquei em silêncio desde então. Ela soube respeitar isso — e mais: soube usar isso.
Naquela noite, apareceu diante da câmara com um robe de cetim branco, curto, aberto o suficiente para que os seus gestos se tornassem subtis provocações. O quarto estava inundado de luz quente e ao fundo, tremeluzentes, várias velas acesas deixavam vislumbres dourados nas paredes. Não as acendeu para mim. Sabia que os cheiros não atravessam o ecrã, mas acendeu-as para si. Porque lhe dava prazer. Porque lhe dava corpo. E eu… conhecia-a bem o suficiente para imaginar: cítricos com notas orientais. Como ela — clara e densa ao mesmo tempo.
— Hoje — escreveu-me, antes de se sentar — não quero pressa.
Li no ecrã e o meu corpo, tão imóvel, respondeu com uma agitação interior que nenhuma fisioterapia alguma vez conseguiu provocar.
Ela aproximou-se da câmara, de joelhos no sofá, e com um sorriso que era já uma carícia. O robe escorregou ligeiramente e os seios revelaram-se, redondos, cheios, naturais, belíssimos. Olhei para eles como quem lê um verso que nunca ousou escrever.
“São as mais belas metáforas do mundo”, escrevi-lhe.
Ela riu. Uma ruga delicada formou-se no canto do olho esquerdo.
— E tu és o único homem que me diz isso com essa intensidade... sem sequer abrir a boca.
Não era troça. Nunca era. Havia na sua ousadia uma ternura devastadora, uma sensualidade sem pressa que sabia exactamente onde me doía e onde me acalmava. Tocou-se, levemente. Um dedo entre os seios, depois sobre um mamilo, e escreveu:
— Não queres dizer nada… mas estás todo a olhar.
Inclinei a cabeça, o máximo que consigo. Um gesto mínimo, mas em mim era quase um grito. Ela entendeu. Ela entendia tudo.
— Sabes que podia fazer-te vir sem te tocar, não sabes?
A câmara focava o seu rosto e depois descia até ao peito. A respiração dela era visível, sincopada, lenta. De vez em quando, os dedos percorriam o decote, como se dançassem por cima das palavras que não escrevia.
Escrevi:
“És sempre assim com os outros?”
Ela leu. Ficou em silêncio um instante. Depois respondeu, com um brilho nos olhos:
— És o único homem com quem falo desta forma. Os outros… talvez toquem. Tu… tu lês-me.
Quis perguntar-lhe se era comprometida. Hesitei. Depois escrevi:
“Tens alguém?”
Ela mordeu o lábio inferior. Não pareceu surpreendida. Como se soubesse que essa pergunta chegaria mais tarde ou mais cedo. Mas não respondeu logo.
Afastou um pouco o robe dos ombros. A pele dela tinha a luz exacta de um fim de tarde num quarto fechado. Os seios, agora completamente descobertos, pareciam falar por si.
— Talvez — respondeu. — Talvez esteja comprometida… com alguém que me sabe escrever. E isso é raro.
Sorri com os olhos. Era tudo o que me restava.
Ela percebeu. Pousou a mão entre as coxas, sem pudor. E escreveu:
— Hoje, se quiseres, escrevo só para ti. Até o meu orgasmo será uma carta.