começou por ser apenas uma simples viagem de elevador. ele entrou primeiro e encostou-se ao espelho na parede do fundo da apertada e velha cabina. ela entrou depois e ficou de costas para ele. assim que a porta se fechou, a mulher correu a grade metálica de proteção, indicativa da idade do elevador. o agradável e, de alguma forma, sedutor perfume que ele usava fê-la olhar para trás e observar melhor aquele homem. a figura imponente, bem-parecida e bem vestida do companheiro de viagem deixou-a nervosa.
sedutora e sem dele desviar os olhos, ela carregou no botão do décimo nono andar e perguntou-lhe para que andar ia ele. respondeu-lhe que ia para o mesmo piso e acabaram por descobrir que ambos iam à mesma empresa de publicidade.
o elevador subia muito lentamente, tal como a sua aparência deixara antever. a ela até lhe agradava. dessa forma, teria mais tempo de usar a falsa timidez como charme. era uma mulher muito bonita e sensual, sabia disso e a atitude, discreta, mas de grande autoconfiança, conferia-lhe muita e natural habilidade nas artes da sedução. ainda mal estavam em andamento e já ela se encostara a ele e conseguira que as mãos dele a segurassem pelas ancas.
tudo isso ficou para trás quando repentinamente, entre o quinto e o sexto andar, o elevador parou. ela ficou visivelmente ansiosa e mais agitada. ele tentou tranquilizá-la agarrando-lhe a mão e dizendo-lhe que, em caso de necessidade, o elevador tinha alarme e que poderiam sempre chamar por alguém. no entanto, o alarme tocava demasiado baixo e, como estavam entre andares, não chegavam às portas e apenas conseguiam fazer algum barulho na grade de proteção e gritando por ajuda. nada feito. ao fim de duas horas ainda lá estavam e já há muito tinham desistido de gritar. já tinham estado sentados várias vezes e agora estavam de pé, ele estava a agarrar-lhe as duas mãos e continuava a tentar acalmá-la.
ela ficou ainda mais aflita e juntou um pequeno grito à inquietude quando o elevador deu um solavanco e desceu alguns centímetros. os olhos e toda a expressão do rosto evidenciavam a surpresa e o medo que o safanão lhe provocara. a ideia do elevador poder cair a qualquer momento, apesar de, como já várias vezes lhe realçara o companheiro, ser algo bastante improvável, estava a transformar a ansiedade em pânico. mesmo fisicamente havia nela algumas transformações, sendo a mais óbvia a, cada vez maior, dificuldade em respirar, mas também era bem visível a humidade no cabelo, consequência da transpiração excessiva. quando finalmente o cérebro começou a dar-lhe algum descanso, um novo abanão do elevador voltou a trazer-lhe o pavor ao corpo. como que a prolongar o sofrimento dela, ciclicamente, com alguns minutos de intervalo, ouvia-se um estrondo, o elevador abanava e descia uns centímetros.
cansado daquela situação, o homem decidiu fazer alguma coisa. olhou para todos os lados e, apesar das imagens negativas que os filmes lhe plantaram, concluiu ser a pequena porta no teto do elevador a melhor e única alternativa para saírem dali, embora não soubesse muito bem o que faria se conseguisse abrir o alçapão:
- Olha, vou tentar abrir aquele alçapão ali no teto, sair e procurar ajuda. Para evitar abanar o elevador, preciso da tua ajuda para chegar lá.
- És louco? Nunca viste em filmes o que pode acontecer?
- Filmes… O que é que pode acontecer? Vai sair dali um fantasma? Vá, dá-me uma ajuda! Entrelaça os dedos das duas mãos e faz um degrau com elas para me ajudares a chegar lá cima!
enquanto ela juntava as mãos e o ajudava a chegar ao alçapão, a tensão sexual entre eles era óbvia e crescia a cada segundo. no caso dele, a tensão era fisicamente percetível e fê-lo pedir desculpa:
- Não tem mal. – Respondeu ela, sorrindo matreiramente.
quando se elevou o suficiente, o homem começou a esmurrar o alçapão atabalhoadamente e com a força que o frágil equilíbrio permitia. nada, nem mesmo a psicoterapia que ambos faziam, os preparara para quando o alçapão se abriu. simultaneamente saíram um esqueleto humano – já sem carne, mas ainda ensanguentado – e centenas de aranhas, relativamente pequenas, mas com as pernas volumosas e peludas. algumas caiam diretamente no chão do elevador e outras desciam, quer usando as paredes, quer usando o corpo do homem. assustada, ela retirou-lhe o apoio, gritou e lançou-se para junto da porta. ele abanou-se vigorosamente, libertando-se das aranhas.
em desespero e repetindo o que já tinha feito, a mulher carregou várias vezes no botão do rés-do-chão. desta vez, apesar do elevador não se ter mexido, o pânico dela – traduzido na elevada cadência com que carregava no botão – teve consequências. cada vez que ela carregava no botão abria-se uma pequena fissura nas paredes da cabina. quando já várias se tinham aberto, começou a escorrer sangue. em poucos segundos o chão da cabina pintou-se de vermelho. o sangue já lhes cobria os pés e o pânico deles era cada vez maior.