as mesas têm tampos de mármore branco e veios encarnados, como se sangrassem. só dão para duas pessoas. as cadeiras têm costas de ferro, muito trabalhadas e são estranhamente confortáveis. quem olha para elas não adivinha o quanto. metade das paredes tem azulejos brancos e azuis. a outra metade, a de cima, é em estuque, está pintada de um amarelo pastel muito claro e espalhadas por esta metade estão datas, agrupadas duas a duas, escritas a preto e cujos dígitos parecem escritos à mão. por baixo de cada duas, está o nome de um génio universal: Einstein; Leonardo da Vinci; Pablo Picasso e outros. provavelmente, serão datas de nascimento e morte. um ambiente, à partida, frio, mas cuja iluminação cuidada torna acolhedor. é a primeira vez que cá venho. provavelmente, a última. o espaço e a comida mereceriam outras visitas, mas há cá gente. por estes dias, apenas consinto a recordação fluvial e o pressentimento da ternura.

só a memória do teu rosto suspende a confusão das vozes.

há coisas que restauram a minha fé na humanidade.

antes de ter o avc - em 2006 -, um dos meus restaurantes preferidos era o Pap'Açorda, que na altura ficava no Bairro Alto, mas que agora fica no 1º andar do Mercado da Ribeira, alvo de um projeto de reconversão da dupla de arquitetos Aires Mateus.

bem, o que interessa não é a localização do espaço, é o que aconteceu há umas semanas. confesso que tive de me encher de coragem para enviar um e-mail ao restaurante, mas enviei e contei que era um cliente habitual, que dada a minha atual condição desde 2006 que não ia ao restaurante e que tinha muitas saudades da mousse de chocolate deles.

não é uma mousse normal. para começar, parece-me feita com chocolate amargo e depois, não se pode dizer que é uma mousse de servir à fatia, mas é muito consistente e é servida em prato e não em taça ou copo. vejam imagem abaixo.

qual não foi o meu espanto quando recebi uma resposta a perguntar de onde eu era e, apesar de não fazerem entregas, a disponibilizarem-se para me trazerem a mousse a casa.

combinámos tudo e o meu espanto exponenciou várias vezes quando entregaram a mousse e não só não cobraram a entrega, como entregaram a mousse em um prato e não cobraram nenhum deles.