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Red Tales

(...) cá estou eu, por aqui, a fingir que sou eu que por aqui estou (...)

Red Tales

>> Cuidemos de Todos Cuidando de Nós <<

 

Alguns dos textos aqui contidos são de cariz sexual e só devem ser lidos por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor SAIA agora.

Solidão

Dezembro 17, 2021

faltam-me as palavras para descrever o peso de alguns silêncios. para explicar o aperto invisível do ar no meu corpo. 

o infinito cresce sem regras e sobra sempre tanto. só a recordação sabe sorrir. mesmo ela desvanece e vai acabar por me abandonar ao vazio. se, primeiro, não me levar aos jardins de fogo onde reinam as sombras. 

Nick Cave. lentamente. é isso. no ar, como se os acordes fossem amantes. como se estivessem despidos. a solidão é um paradoxo. uma grande folha em branco e nunca estamos sós em frente a uma.

 

Solidão

Janeiro 11, 2021

o vinilo gasto dos clássicos já não toca na velha aparelhagem da sala. já não há ninguém aos saltinhos pela casa. nem gritos. já ninguém escorrega no saco de laranjas, a fazer rir os restantes. já não há o único bolo de chocolate possível de fazer. o pequeno quarto, forrado a páginas de revistas, também já não existe. já ninguém tira fotografias. não há ninguém a chorar num qualquer canto. tudo o que existe são paredes distorcidas pela humidade do tempo.

espelhos

Janeiro 11, 2021

Por vezes, deito-me de lado na cama, acendo um cigarro e fico a olhar o meu corpo refletido nos espelhos do roupeiro. Três portas e três espelhos que dividem o meu corpo. São acastanhados e fazem-me mais moreno. Gosto de me olhar nestes espelhos porque me fazem mais moreno e porque escondem os defeitos conquistados pelo tempo. Especialmente por isso. O meu reflexo tem mais cabelo, tem menos barriga, mas, e acima de tudo, não tem recordações. Na porta mais distante, as minhas pernas, sem sinais de fraqueza, confiantes, virgens. Não se notam nem as cicatrizes de distâncias mal calculadas, nem as provocadas pela infinita procura de um sem nome que nunca se acha. A porta do meio está normalmente aberta, para não refletir o meu tronco. É o reflexo mais verdadeiro, mais marcado, não gosto dele e não quero falar mais sobre isso. Na porta mais próxima reflete-se a maior mentira. A face, o braço que a segura, a cabeça e os ombros. Naquele que não sou, não consegue ver-se o que sou. Na minha face sem memórias não se vislumbra medo e, no reflexo dos meus olhos, o tempo está ausente. Não existem árvores, nem sol, nem mar, mas também não se refletem as espessas camadas de sombras noturnas, também não se refletem os bolores verdes e densos e a saliva de sangue no hálito da minha alma. Com a ajuda do cigarro, nem os pingos de irredutíveis cristais que me vidram os olhos, o meu companheiro, o espelho, consegue refletir.

Solidão

Janeiro 09, 2021

a melodia de um rio gelado que nos atravessa o peito, uns olhos que se fecham e o calor de um dedo em círculos leves sobre a face, o bater do coração nas pálpebras que encerram um mar escondido e a luz, interrompida a espaços pela voz distante que canta numa língua estrangeira, suficientemente fraca para iluminar apenas o medo de perder para a minha loucura. é tarde, mas aumento o volume da música até sentir cada nota nas veias, a minha pele treme a cada batida profunda e lenta de percussão, os violinos, a preencher o tempo que sobra (sobra sempre tanto o tempo que falta), uma pausa, para afundar como facas os dedos no corpo, e, novamente, uma voz olímpica, a arrancar-me as lágrimas pelos microscópicos espaços entre a dor e o desejo. depois palavras, cantadas em forma de sussurro, palavras que não compreendo, palavras que ferem o que resta de um corpo adormecido pelo coro vazio da existência. está frio, mas a roupa impede a harmonia entre a pele e o que sinto, rasgo-a, tiras de pano, incendiadas pela fúria, caiem suaves sobre a cera do chão, com elas, e com o início da marcha sonolenta das teclas de um piano, cai também a força que me resta, cai também o espírito e secam-se as lágrimas. sento-me a um canto para lentamente contar os objetos que me rodeiam, chegam-me as duas mãos e volta a sobrar tempo e voltam as cordas a preenchê-lo. a sensação aterradora de câmara lenta, os lentos movimentos que a acompanham, a velocidade a que se sucede o nada, o nada que me prende nesta cela húmida de medos. poderia ter-me deitado mais cedo, mas há algo nesta solidão que me fascina e destrói, tenho primeiro de me perder nestes caminhos cruéis que desenhei e desconheço. o som é desordenado e a melodia desaparece, enrolo a nudez nessa pauta enlouquecida e cravo nas pernas as unhas em feridas fundas e sangram as marcas e sangram os sonhos e grito a dor no corpo para que se esqueça de doer a dor na alma.

Solidão

Janeiro 07, 2021

a maior crueldade é quando me acordas, arrepiado de medo, acariciando-me o corpo com unhas afiadas. é de noite, quando me sufocas e obrigas a iluminar o quarto para confirmar que continuas a única presença. é quando me segues pela casa e engoles o som dos meus passos, do ranger das portas e dos interruptores que acendo e apago à minha passagem. o teu silêncio. a maior crueldade é o teu silêncio. manténs-te secreta, caminhas num total mutismo e, como a sombra, a tua aparição é sempre silente, sempre taciturna. a tua aparição, o teu espectro e o teu silêncio. torturantes e sanguinários. sentir-te roubar o som de todas as vozes, é odiar todas as palavras que te definem. saber que afogas o murmúrio de um beijo e, como a noite, o cantar de todos os pássaros, é odiar todas as palavras que te definem. ou talvez o teu peso. talvez a maior crueldade seja o teu peso e a forma como esmagas o meu corpo. a forma como reduzes as dimensões do meu corpo. o meu crânio a poucos centímetros dos meus pés. por causa do teu peso, o meu crânio sobre os meus pés. o teu peso é cruel. sanguinolento. mesmo quando sangrenta, nem a morte é tão tirana.

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