Viver com a solidão
Abril 07, 2016
Nunca nos poderemos sentir sós se dominarmos a arte de sermos felizes com a nossa companhia. Eu, desde que me conheço, que, no mínimo, me tenho a mim como companhia. Não tem corrido mal. Modéstia de parte: tenho sido uma excelente companhia para mim. Faço-me rir; converso; oiço-me; simpatizo comigo. Ninguém faria por mim o que eu faço.
Estar só connosco não é obrigatoriamente mau. Se pensarmos bem, a solidão é a forma que o universo tem de nos ensinar o caminho para dentro de nós. É possível estar só e conseguir quase tudo, parece-me que só a moral não se adquire em solidão. Claro que há os livros, mas de pouco valem se os ensinamentos que nos dão não puderem ser experimentados.
Claro que somos bichos sociais e que a companhia é indispensável, que as boas companhias até em silêncio o são, mas, normalmente, para ser boa companhia tem que se saber estar só. A solidão ensina-nos a ser boa companhia.
A solidão, no entanto, tem outra face. Uma mais sangrenta. Mais cruel. Uma que não se inibe de ferir todas e todos que se atravessam na sua frente. Que faz as casas pequenas e fogo o ar que só respiramos para não morrer. A solidão que mais se mostra. Confesso que me falta o ar só de pensar nela. De pensar na forma como arranca pedaços ao corpo de todas as coisas. Essa, que nos quebra os ossos e nos junta a cabeça aos pés, persegue-nos com facas afiadas e silencia todos os sons. Uma solidão mais tirana que o mar quando engole um navio.
Falo daquela a que nos remetem os desejos que não satisfazemos e que ninguém ajuda a concretizar. Essa a que nos remetem os hábitos que nos deixam – sempre que não são bem substituídos. Não a que sentimos por estar só, mas a que sentimos por não estarmos com quem queremos. Essa é, normalmente, muito destrutiva.